Roberto Leher, reitor da UFRJ, mostra didaticamente como a PEC 241 vai ter o efeito de uma bomba de nêutrons na educação pública brasileira.

O congelamento dos gastos sociais por vinte anos é a realização dos sonhos dos economistas neoliberais encastelados na Casa das Garças.

Do Nocaute, por Fernando Morais

Esta proposta de emenda constitucional preocupa muito a Universidade brasileira e a educação pública de uma forma geral e, podemos ampliar, a própria concepção de Estado Social no país.

 

Porque a PEC 241 tem como objetivo o congelamento de gastos num contexto em que a taxa de juros vai aumentando o bolo tributário destinado ao pagamento de juros e serviço da dívida. O que significa congelar, portanto? Permitir o aumento permanente de gastos com a dívida, e ao mesmo tempo teremos que reduzir drasticamente os gastos com o Estado Social.

 

Tanto é verdade que os próprios estudiosos que vêm propondo esta medida, como os intelectuais conservadores organizados na Casa das Garças, como o economista Edmar Bacha, de que é necessário modificar a Constituição para que o ajuste fiscal tenha o alcance e a profundidade necessários.

 

O que que significaria hoje mudar a Constituição? Fundamentalmente o fim da gratuidade das universidades públicas; teríamos a desvinculação de receitas tributárias para a educação e saúde, uma redução da universalidade do SUS, o que significa obviamente que o SUS deixaria de ser um sistema universal, e a desvinculação dos benefícios sociais da seguridade em relação ao salário mínimo. Em suma, um conjunto de medidas que expressa de forma contundente uma quebra nos principais direitos sociais assegurados na Constituição Federal de 1988.

 

Então, estaremos dentro de um contexto de muita diversidade para os direitos sociais do país, e a educação pública seguramente em risco.

 

Um cenário catastrófico, porque a expectativa da área econômica é de que com o congelamento nós teremos uma redução dos gastos públicos da ordem de 1,5% do PIB num espaço de dois anos. Então, pensando aí num cenário de dez anos teríamos, por baixo, uma queda de gastos sociais da ordem de 7 a 8% do Produto Interno Bruto, o que obviamente inviabiliza toda possibilidade de manutenção de um sistema público de educação, de saúde, previdência social, enfim das políticas sociais de uma forma geral.

 

É importante destacar que hoje o gasto educacional no Brasil – todo o gasto, somando os municípios, os estados, tudo – temos aproximadamente 5,5% do Produto Interno Bruto. Então, dá para imaginar a escala do que significaria hoje termos uma perda de verbas públicas da ordem de 7% do PIB num prazo de dez anos.

 

Diante de um quadro de corte dessa proporção, como está previsto pela PEC, nós teremos seguramente dificuldade de manter as universidades como instituições públicas, e esse é o objetivo.

 

É por isso que quando apresentaram o planejamento da PEC 241 já estava previsto no debate e no encaminhamento político dos defensores dessa medida, o fim da gratuidade.

 

Em outras palavras, como o Estado deixaria de financiar as universidades públicas, teríamos um peso crescente do custeio feito pelos próprios estudantes. O que é uma aberração em termos dos princípios constitucionais e republicanos, porque temos outras alternativas para cobrança de mensalidades, como por exemplo uma tributação proporcional à renda e ao patrimônio. O imposto progressivo responderia às necessidades de receitas para a manutenção das universidades.

 

É importante destacar que isso no Brasil tem repercussões graves, não só na formação humana, mas também na produção do conhecimento, na medida que o grosso da ciência no Brasil é desenvolvido, o fundamental da ciência no Brasil é desenvolvido hoje nas universidades públicas. Que são responsáveis por mais de 85% da pesquisa no Brasil.

 

Então, desmontar a universidade pública significa também desmontar toda a expectativa de futuro em relação à ciência e tecnologia. Os povos necessitam de conhecimento, necessitam de ciência, de tecnologia para poderem forjar uma outra perspectiva para o bem viver.

 

Temos desafios estruturais hoje na humanidade, como as mudanças climáticas globais, o futuro da água, os recursos hídricos de uma forma geral. Nós temos desafios no campo da energia, da educação básica, da saúde pública, temos as viroses se espalhando pelas diversas partes do planeta. E precisamos ter ciência para entendermos como é que funciona a zika, como é que podemos atuar, produzir fármacos, vacinas, etc.

 

Todos os povos precisam de conhecimento, enfim, para ter uma melhor intervenção na natureza, na sociedade, e isso vai colocar o país numa situação profundamente neocolonial. Tal como aconteceu no colonialismo na África, em que as universidades foram fechadas, foram impedidas de vicejar, nós teremos uma situação na mesma proporção, caso de fato essa PEC seja aprovada. Seria um processo de desmonte profundo da educação pública e de um precioso patrimônio que temos, do povo brasileiro, que são suas universidades públicas.

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