Estupro não se justifica, se pune – por: Jandira Feghali

Estupro não se justifica

por Jandira Feghali*

Pesquisas são como fotos.

Conseguem mostrar um retrato da sociedade em determinado tempo. A foto que vemos a partir da divulgação de pesquisa do IPEA sobre violência sexual e estupro é chocante. Meio milhão de cidadãos violentados ao ano no Brasil, destes 88,5% mulheres vítimas de estupro. A cada 12 segundos uma cidadã se torna vítima deste crime hediondo em nosso país, por exemplo, agora, enquanto você lê este texto.

Mais estarrecedor o que vem a seguir com o resultado à pergunta feita: “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas?”. Espantosos 65% dos entrevistados concordaram. Mais triste quando revela-se que dois terços das pessoas ouvidas pelo IPEA são mulheres. Mulheres que acreditam que outras mulheres são corresponsáveis pelo ato criminoso pela simples forma como se vestem. Deduz-se então que o criminoso é vítima, invertendo os papéis de vítima e réu. Parece que estamos na década de 70.

Voltemos ao número do início. Das 527 mil pessoas violentadas no Brasil ao ano, 70% são crianças e adolescentes. Ou seja, no pensamento da maioria dos entrevistados, prega-se de forma abstrata que as meninas no universo das 364 mil vítimas tenham parcela de culpa direta? Crianças, sem características sexuais, como provocadoras de um crime sexual, na maioria pelos pais ou padrastos? Realidade que, certamente, desconsidera nossos problemas culturais e socioeconômicos e comportamentos perversos e violador de direitos. É possível a interpretação de que o criminoso é, na verdade, vítima da sensualidade feminina.

O IPEA também dá luz a uma estatística que se mostra ponto-chave. Apenas 10% dos casos sobre violência sexual são informados à polícia. Mesmo com um maior número de órgãos especializados no combate e atendimento à vítima pelo Brasil, o cidadão ainda prefere se calar, talvez combalido para suportar os longos e penosos caminhos da justiça, talvez pelo peso da vergonha de ter que encarar a visão que, lamentavelmente, prevalece e coloca parcela da culpa sob os ombros da vítima.

É grave e recorrente que muitas mulheres julgam as vítimas e as acusam por responsabilidade parcial no estupro. Mulheres também mães e chefes de família e que educam seus filhos levando padrões ultrapassados e repressores, tornando-os cruéis reprodutores do ciclo de mazelas que contribuem para uma sociedade desigual e preconceituosa.

Nos últimos anos, o Brasil deu saltos significativos na construção de políticas públicas que combatem a discriminação e a violência contra a mulher. Mas é hora de darmos atenção ao que está sendo revelado por esta pesquisa. A sociedade não pode permitir se levar por ideias machistas e patriarcais que pregam a subordinação feminina e o controle de homens sobre as mulheres. Não é um vestido justo ou saia curta que determinam as chances de um estupro. É a mentalidade atrasada que persiste, que justifica a violência, por perpetuar a imagem da mulher como ser de segunda categoria e objeto de desejo. Homens e mulheres devem encarar o estupro como crime hediondo.

Estupro não se justifica, se pune.

*Médica, deputada federal (PCdoB/RJ) e líder da bancada na Câmara

Fonte: GGN

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