Em entrevista, advogada Marina Ganzarolli fala sobre sua luta contra o machismo

Cofundadora do Coletivo Dandara e da Rede Feminista de Juristas, ela presta orientação e encaminhamento gratuitos em casos de violência contra a mulher

POR TALITHA PARLAGRECO, do DAQUIDALI

Um rosto conhecido, um diploma respeitado e uma carreira de prestígio. Nada disso foi capaz de evitar que Marina Ganzarolli, advogada, cofundadora da Rede Feminista de Juristas e parceira da CAMPANHA #ELIANAPORTODASELAS, fosse agredida por um homem. Leia aqui o relato completo do acontecido.

Sim, a violência ainda é um dos maiores temores femininos e, por isso, trabalhos como o que conduz há quase dez anos são mais do que necessários para proteger a mulher, PROMOVER OS CONCEITOS DO EMPODERAMENTO FEMININO e EXTERMINAR O MACHISMO DA SOCIEDADe. Em um bate-papo esclarecedor, Marina conta um pouco mais sobre sua motivação, os casos que atende e, também, sobre o momento em que se tornou vítima.

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MARINA EM UMA DAS SUAS ÚLTIMAS PARTICIPAÇÕES NO PROGRAMA ELIANA FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK MARINA GANZAROLLI

QUANDO VOCÊ SE DESCOBRIU FEMINISTA?

“Eu acho que tem muito da minha formação. Minha casa já foi privilegiada nesse sentido, do preparo acadêmico, da democracia”, diz sobre a mãe, antropóloga, e o pai, que foi até preso político durante a ditadura militar. A advogada explica que os dois nunca chegaram a conversar diretamente com ela sobre esse assunto. “Mas depois que a gente cresce, vê que a educação familiar tem muito a ver; ajudou muito. Eu lembro de já no colegial me sentir muito incomodada com o tratamento desigual entre meninas e meninos. Quando entrei na faculdade percebi que todo mundo tem uma opinião para dar sobre os nossos corpos. Posso dizer que VIREI FEMINISTA lá, no final do primeiro ano para o segundo”.

COMO NASCEU A REDE FEMINISTA DE JURISTAS? 

“Quando a gente fundou o Dandara (primeiro coletivo feminista de uma universidade de Direito do Estado de São Paulo), eram só quatro meninas lendo textos feministas, SIMONE DE BEAUVOIR… Depois a gente foi se aproximando do projeto de Promotoras Legais Populares, que leva um pouco dos DIREITOS FUNDAMENTAIS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHERpara os bairros, nas lideranças comunitárias. Frente aos episódios que se passaram comigo e com outras, como o SLUTSHAMING (tolher a liberdade delas falando justamente do corpo), que a gente se organizou e foi tomando mais contato com o feminismo e se emponderando.Teve início com os crimes digitais contra as mulher (como o PORNÔ DE REVANCHE) e continuou daí.

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MARINA É ADVOGADA FEMINISTA E LUTA CONTRA O MACHISMO FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK MARINA GANZAROLLI

Me formei e, como estavam tendo muitas denúncias de ESTUPRO NAS FESTAS DA FACULDADE, eu acabava recebendo muitas ligações. Assim começou o encaminhamento às mulheres vítimas, orientação gratuita. Só que era um número muito grande de jovens. Busquei a colaboração de amigas, parceiras e demais advogadas para formar a Rede Feminista de Juristas. O trabalho é no esquema voluntário e todo dia tem uma advogada respondendo por inbox no Facebook (ou por telefone,WhatsApp, Skype…). A VIOLÊNCIA É SÓ A EXPRESSÃO MÁXIMA DA DESIGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES. Ela está em todas as esferas: quando a gente abre a revista, vê a TV, só são mostradas mulheres jovens, magras, brancas, cis, PADRÕES DE BELEZA QUE SÃO INATINGÍVEIS. Quão violento é o CONTROLE SOBRE O CORPO, A SEXUALIZAÇÃO PRECOCE NA MÍDIA? E a mulher pode ser negra, imigrante, lésbica, deficiente”.

RECENTEMENTE VOCÊ TAMBÉM SOFREU VIOLÊNCIA, NA PARAÍBA. COMO FOI ESTAR DO OUTRO LADO?

NUNCA TINHA APANHADO NA VIDA. E tive dificuldade, como advogada. Foi necessário insistir! Até que ele viu que eu sabia do que estava falando e lavrou o boletim de ocorrência. Imagina se eu não soubesse? Se exige muito isso das mulheres – o cara te violenta e se você perde a razão, é novamente julgada. Quando você reage, não está agredindo igual. Ainda que não revide, sofra calada, e SEJA A VÍTIMA DO COMEÇO AO FIM, É CULPABILIZADA: ‘ah, mas por que você foi falar com ele, por que não engoliu, não mudou de lugar?’

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DURANTE O #ELIANAPORTODASELAS, COM A PROMOTORA GABI MANSSUR E A JORNALISTA JOYCE RIBEIRO FOTO: DIVULGAÇÃO/ SBT

As mulheres têm muito medo de denunciar; nos relacionamentos abusivos, em que estão com a razão, mas emocionalmente abaladas, sem conhecer seus direitos, o policial pode dizer: ‘é só uma briga de casal, você vai jogar fora 10 anos de relacionamento?’ O fato é que elas já administram o lar sozinhas. Já o fazem sem a ajuda dos maridos que cometem as ofensivas. A maioria que bate, estupra, assassina é conhecido, do círculo social ou da família. E isso é um problema, pois esse cara não é um ponto fora da curva!”, reforça.“A gente só vai avançando quando tem casos concretos. Temos PROBLEMAS GRAVÍSSIMOS DE SUBNOTIFICAÇÃO. Hoje, tem a LEI JOANNA MARANHÃO, para a proteção de crianças e adolescentes também. É superimportante se envolver – em BRIGA DE MARIDO E MULHER, META A COLHER SIM! A partir do momento que isso acontece em todos os lares, não é questão de foro íntimo, é informação pública! A VIOLÊNCIA NÃO É CULPA DA VULNERABILIDADE. É do agressor! Para CRIANÇAS E ADOLESCENTES, LIGUE 100; PARA MULHERES, 180”.

QUAIS SÃO OS CASOS MAIS FREQUENTES QUE ATENDE? 

“Hoje em dia eu diria que o mais comum é lesão corporal de companheiro ou ex-companheiro;  em seguida, vem os de estupro e, em terceiro, agressões, como assédio na rua – a pessoa revida e apanha. Cada vez mais, está havendo a CRIMINALIZAÇÃO DA MULHER QUE DENUNCIA”, fala. Para entender melhor o que é isso, ela dá um exemplo: “houve um caso super famoso, da UNESP, em que uma aluna foi estuprada, sofreu assédio do professor e DENUNCIOU VIA FACEBOOK enquanto estava tendo o processo administrativo. E não o fez na delegacia no prazo de seis meses (depois, a queixa caduca). Na instituição, não deu em nada, e o professor a denunciou  por calúnia e difamação”.

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MARINA COM OUTRAS PERSONALIDADES FEMINISTAS, COMO A DRA. LUDY GREEN, PALESTANTE ESTADUNIDENSE, PRESIDENTA E FUNDADORA DA ONG SECOND CHANCE EMPLOYMENT SERVICES, QUE QUALIFICA E ENCONTRA EMPREGO PARA MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA; E ALEXANDRA LORAS, EX-CONSULESA DA FRANÇA, REFERÊNCIA EM DIVERSIDADE E EMPODERAMENTO FEMININO E NEGRO FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK

QUAIS SÃO AS MULHERES QUE TE INSPIRAM?

“Uma delas, um exemplo mais próximo do judiciário, é a DESEMBARGADORA KENARIK BOUJIKIAN, feminista defensora dos direitos da mulher. Desde a época da faculdade, eu olhava e pensava: quero ser como ela. Outra que admiro muito e tem trazido o FEMINISMO INTERSECCIONAL (que se refere à intersecção entre diversas opressões: de gênero, etnia e classe social) é a DJAMILA RIBEIRO (Secretária Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo), que conseguiu popularizar esse debate principalmente na agenda do FEMINISMO NEGRO“.

O QUE VOCÊ DIRIA PARA AS MULHERES QUE AINDA NÃO SE CONSIDERAM FEMINISTAS?

FEMINISMO NÃO TEM NADA A VER COM QUEIMAR SUTIÃ. Tem que abandonar esse estereótipo. Ser feminista é defender os direitos das mulheres. Algum dia, algum homem  já te colocou em uma situação que você nem percebeu como violência, mas se sentiu constrangida. Ou você conhece uma mulher que já apanhou. Ser feminista é isso: OLHAR PARA AS VIOLÊNCIAS QUE AS MULHERES SOFREM E VER UM PONTO EM COMUM. É, de fato, entender que não estamos sozinhas, estamos juntas. É a CONSTRUÇÃO DESSA SORORIDADE. Porque todas sofremos violência. O MACHISMO TE AFETA DIARIAMENTE. Se você acha que é a única que deve fazer as escolhas, tomar as rédeas da sua própria vida, livre do que os outros acham e pensam, você é uma feminista! Só com as mulheres organizadas, na luta política, reconhecendo a outra irmã que também sofre violência, a gente consegue enfrentar isso”.

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