Debate “A Voz do Negro no Cinema” tem falas emocionadas e contundentes

Nesta sexta-feira (28), no Cinearte, ocorreu o debate “A Voz do Negro no Cinema”, com a participação do cineasta Jeferson De, da produtora e diretora Juliana Vicente, do rapper e ator Thogun, e da atriz Teka Romualdo, com mediação da jornalista Adriana Couto. O encontro aconteceu depois da exibição do filme O Nascimento de uma Nação, de Nate Parker.

Por Frederico Antonelli, do 40° Mostra

Antes do início da sessão, foi exibido um vídeo em que Parker agradece a oportunidade de exibir o seu filme na Mostra. O longa narra a história de Nat Turner, um ex-escravo estadunidense que lidera um movimento em 1831 para a libertação dos afro-americanos na Virgínia. O título do filme faz uma clara alusão à obra homônima dirigida por D. W. Griffith em 1915, uma época em que atores negros não eram escalados para os filmes e era comum o uso do “black face”.

“A cada chicotada que eu via, eu pensava no genocídio do jovem negro que ocorre hoje. Quando eu olho para TV e não me vejo representada, sinto outras chicotadas”, disse Teka Romualdo sobre o longa. “É uma dor ancestral e atual. A gente não vê porque a gente não quer. Quando tem trilha sonora e é um filme de Hollywood, a gente se permite ficar comovido, mas isso acontece o tempo todo a nossa volta. Assistir a um filme como esse é um sentimento de dor e não de êxtase, assim como é um processo de dor fazer os filmes que eu faço”, complementou Juliana Vicente.

“É uma provocação exibir esse filme nessa sala e fico feliz de ver as pessoas que ficaram após a sessão para o debate”, disse Thogun, que era rapper até ser convidado a fazer cinema: “Nesse mercado eu só posso entrar como traficante, dono do morro, estuprador, mas eu tenho que pagar as contas e esses papeis me serviram como porta de entrada”. O ator, que hoje trabalha também como preparador de elenco, contou ainda que existem personagens e cenas na sua carreira que o deixaram desconfortável na hora de gravar e que hoje ele não faria de novo.

“A minha primeira personagem foi uma empregada doméstica, mas isso me proporcionou mostrar o meu trabalho”, contou a atriz Teka Romualdo. Mostrar o trabalho, no entanto não é garantia de papéis melhores, como afirmou Juliana Vicente, que está fazendo um documentário sobre Ruth de Souza, atriz negra de 95 anos: “É uma história linda, mas também tem a sua dureza, pois ao longo dos 70 anos de carreira ela nunca fez um papel de protagonista, mesmo tendo concorrido, em 1954, ao lado de Audrey Hepburn, ao Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza (pelo filme Sinhá Moça, de Tom Payne, Oswaldo Sampaio)”.

A produtora ainda comentou a ausência de um realizador branco no debate: “Eu fico feliz de nós termos este espaço para debater, mas eu sinto falta nessa mesa de um diretor branco que já fez filmes sobre negros. Porque sempre se cria uma ilha para nós, e o que incomoda é dividir o mesmo espaço, é a igualdade”.

O cineasta Jeferson De ressaltou que a presença negra na 40ª Mostra. “Eu queria destacar algumas coisas como essa sessão e esse debate, a sessão do filme Pitanga, com a presença do Antonio Pitanga, talvez o ator mais importante do cinema brasileiro, o prêmio Leon Cakoff concedido a ele e o depoimento incrível que ele deu no Memórias do Cinema, que também teve a fala da Cristina Amaral, grande montadora, e a minha, além de eu ter sido convidado para integrar o júri deste ano”.

Fazer cinema no Brasil, no entanto, continua sendo uma tarefa árdua e cheia de obstáculos para o realizador negro, como afirmou Jeferson De: “Eu escrevi o roteiro de Amuleto (2015) só com atores negros, mas não consegui ganhar nenhum edital. Então eu reescrevi o longa só com atores brancos e ganhei um edital na primeira tentativa. Depois de lançado, o filme recebeu muitas críticas, algumas sobre questões cinematográficas, mas várias questionando o porquê de não ter negros (…) A gente recebe paulada de todos os lados”.

Ao final, Adriana Couto perguntou: “Fazer cinema é um ato político?”. “Sempre, nossas questões são urgentes e eu quero que o meu trabalho seja útil”, disse Juliana Vicente. “Viver é um ato político, por isso é importante estar presente, aqui, na sala de aula, no cinema”, complementou Teka Romualdo.

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