Mulheres Negras e a (Não) Efetivação dos Direitos Humanos

Os direitos humanos não têm sido efetivados em sua totalidade e alguns grupos sociais que são os mais atingidos

Por Terlúcia Silva, do Brasil de Fato

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) completa 71 anos em 10 de Dezembro de 2019. Criada no contexto pós-segunda Guerra Mundial, a DUDH foi proclamada durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Considerada a “Carta Magna” dos direitos humanos em nível mundial tem influenciado constituições e legislações cidadãs em diversos países do mundo. A Declaração se constitui o instrumento internacional de grande relevância para a efetivação dos direitos humanos e assegurou no seu artigo 2º que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” representando um avanço para a época.

Os Direitos Humanos se referem a um conjunto de direitos que garantem as pessoas viverem com liberdade e dignidade. Diz respeito à saúde, educação, cultura, alimentação, trabalho, segurança, comunicação, entre outros. E são efetivados a partir das reivindicações sociais e do compromisso dos governos. Contudo, cabe ressaltar que os direitos humanos não têm sido efetivados em sua totalidade e que há grupos sociais que arcam com os maiores prejuízos da negligência e da falta de compromisso das gestões governamentais.

Tendo em vista que no Brasil, o machismo e o sexismo impactam a vida de todas as mulheres, cumpre refletir que esse impacto aumenta quando a condição de ‘ser mulher’ é acrescida de outras condições como de classe, raça, geração, orientação sexual e identidade de gênero. É preciso pensar a questão da interseccionalidade, ou seja, buscar compreender como as opressões funcionam de forma articulada, colocando determinados grupos sociais em situação de maior vulnerabilidade, a exemplo das mulheres negras, que se encontram em um lugar para onde convergem diferentes opressões.

Quando nos referimos às mulheres negras, é possível identificar as inúmeras violações de direitos que elas se encontram submetidas. Tais violações são potencializadas pela permanência do racismo estrutural, que tem determinado o “lugar” da pessoa negra na sociedade, sendo expresso pelo aumento das iniquidades na saúde das mulheres negras; pela mídia sangrenta que expõe os corpos, as dores e a dignidade das mães negras, que tem seus filhos e filhas assassinados/as; pelos meios de comunicação que ridicularizam a estética negra; pela apropriação de simbologias dessa estética por agências de propaganda, marca de produtos e pessoas não negras; pela sub-representação das mulheres negras na política e em outros espaços de poder e decisão; pelos autos índices de pobreza, desemprego e violência, assim como pelo encarceramento em massa da população negra.

As mulheres negras somam mais de 49 milhões de brasileiras, sendo que grande parte vive em situação de pobreza e de vulnerabilidade social, ocupadas em trabalhos precarizados e no mercado informal. De acordo com Cida Bento, as mulheres negras ingressam mais precocemente no mercado de trabalho, são as últimas na escala de renda, as primeiras a serem demitidas e estão em maior presença no mercado informal.

No tocante ao grave problema da violência, em dez anos (2003-2013), o número de feminicídio de mulheres negras cresceu 54% enquanto houve uma queda de 9,8% no total de casos de feminicídio de mulheres brancas (Mapa da Violência/2015), representando um distanciamento considerável nas ocorrências. As jovens negras entre 16 e 24 anos, têm 3 vezes mais probabilidade de serem estupradas do que as brancas (SPM-PR, 2003), as mulheres negras correm 2 vezes mais riscos de sofrer homicídio do que as brancas (M. Saúde, 2006) e de cada três mulheres encarceradas no Brasil, duas são negras (Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional/MJ).

Esses dados revelam que a violação dos direitos humanos das mulheres negras ocorre em diferentes áreas, assim como reforçam a afirmativa da negligência histórica do Estado brasileiro com a questão do racismo, enquanto estruturante das relações sociais.

Portanto, precisamos pensar que a efetivação dos direitos humanos das mulheres negras passa pelo enfrentamento ao racismo, reconhecendo, como bem pontuou a declaração de Durban, que “o racismo se apresenta de forma diferenciada para mulheres e meninas e está entre os fatores que levam a uma deterioração de sua condição de vida, à pobreza, à violência, às múltiplas formas de discriminação e à limitação ou negação de seus direitos humanos” (Declaração de Durban, 2001).

Por fim, é preciso que os movimentos sociais, culturais e sindicais incorporem a pauta racial em seus processos de luta; reconhecendo que a colonização do Brasil foi marcada pela violência e que as mulheres negras, além de terem sido exploradas laboralmente, tiveram seus corpos objetificados e manipulados para o bel prazer dos senhores de engenhos, assim como que o racismo é um problema da sociedade brasileira, que se constitui uma barreira para as pessoas negras no acesso aos direitos humanos e bens comuns.

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