Quem era Sandra Maria, que morreu porque um homem não queria usar máscara

Sandra Maria Aparecida Ribeiro, 45 anos, foi vítima da irresponsabilidade. Separada e filha única, ela era o alicerce da família. Criava sozinha os dois filhos adolescentes e cuidava dos pais, ambos idosos e com problemas de saúde. Mas na última terça-feira (28), a ignorância tirou a vida de Sandra. Fiscal do hipermercado Condor em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, ela levou um tiro após uma briga ocasionada por um cliente que se recusou a usar máscaras de proteção contra o coronavírus – o uso do equipamento é obrigatório em todo Paraná.

Causador da confusão, o empresário Danir Garbossa, 58 anos, não aceitou ser impedido de entrar no mercado sem máscara e até recusou usar uma oferecida gratuitamente pelo estabelecimento. Garbossa agrediu um funcionário e partiu para cima do segurança, Wilhan Soares, 28 anos, até um disparo da arma atingir Sandra, que morreu ainda no local. Os dois envolvidos foram presos em flagrante no dia.

Segundo os amigos, Sandra era reservada, tímida e batalhadora. Trabalhou oito anos no supermercado: começou como caixa e foi subindo de cargo até virar fiscal. Uma amiga da vítima há mais de 20 anos, e que prefere não ter o nome revelado, conta que Sandra tinha medo justamente de brigas no trabalho causadas por pessoas que não aceitariam usar a máscara de proteção.

“Essas brigas por causa da máscara preocupavam muito a Sandra. Ela chegou a comentar com a mãe que o medo dela era esse. Tinha até comentado que ela queria ser trocada de setor porque ela ficava ali na frente. Parece até que estava pressentindo algo”, conta.

“É uma perda irreparável. Os pais dela estão sem chão, sem rumo. Não sei quem vai cuidar deles agora, eles têm a saúde debilitada. Os pais não dormiam até ela chegar do trabalho. E ainda tem os filhos. Eu me pergunto o que vai ser? Esse homem tem que responder pelo que fez. Pela ignorância dele”, protesta a amiga.

Sandra também era uma pessoa simples, humilde e religiosa. Seu sonho era tirar carteira de motorista e comprar um carro para que ela pudesse ajudar ainda mais os pais. Sua instrutora da auto-escola, Regiane Ferreira, conta como a aluna passou ser uma amiga.

“Sempre que passava no mercado eu conversava com ela. A Sandra era bem reservada. Ela tinha muito medo de dirigir e não ainda não tinha conseguido passar nos testes pois ficava nervosa. Ela tinha vergonha até de tirar as dúvidas comigo. Quando a gente fazia as aulas, a gente passava na frente da sua casa para a mãe ver ela aprendendo a dirigir”, recorda Ferreira.

Na vizinhança, Sandra também vai deixar saudades. Hosana Marcondes, que mora três casas ao lado da vítima há mais de 20 anos, conta que a morte deixou os vizinhos atônitos. “Foi uma comoção geral. A Sandra era uma mulher muito educada, nunca teve problemas com ninguém. Sempre estava com o sorriso no rosto. Todos estão chocados, muito triste”, lamenta.

Funcionários perdem velório

Os funcionários fizeram um grande círculo de oração em frente ao mercado para prestar uma homenagem logo após a morte de Sandra. Mas muitos muitos não conseguiram ir ao velório, que foi na manhã da última quarta-feira (29), porque não tiveram liberação do mercado. “Infelizmente, eu não pude ir porque só podia sair no intervalo. Só quem era do turno da tarde que pôde ir. Foi muito difícil trabalhar hoje”, lamenta um funcionário, que prefere não se identificar.

Este funcionário estava trabalhando no momento da tragédia. Ele conta que a tristeza entre os trabalhadores do mercado foi grande após a morte da colega. “Eu achei que fosse um assalto. Quando vi, estavam socorrendo a Sandra e o homem também estava sangrando no banco”, relata.

Procurado via assessoria, o Condor não respondeu sobre a questão do velório até a publicação da reportagem. A rede de supermercados divulgou nas redes sociais uma nota de pesar. “Neste momento de dor e tristeza com a perda da nossa querida colaboradora Sandra Ribeiro, o Condor lamenta profundamente o ocorrido e se solidariza com seus familiares e amigos. A rede agradece a dedicação da profissional durante os oitos anos de serviços prestados à empresa e afirma que está prestando todo apoio e ajuda à família”.

 

 

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