Dossiê traz dados e análise interseccional da realidade LGBTI e negra no Brasil

“Qual é a cor do invisível?” é a pergunta engenhosa que o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos coloca no título do seu dossiê, a ser lançado na quinta-feira da semana que vem (5) e que se propõe a delinear ao longo de mais de 200 páginas “a situação de direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil” – o subtítulo do material.

Preta, Preto, Pretinhos (PPP) teve acesso ao documento, em finalização. Em um contexto em que dados oficiais sobre o universo LGBTI são escassos – e essa é uma das preocupações e reivindicações da comunidade, que vê no vazio de registros uma aresta da invisibilidade -, o dossiê reúne, contextualiza e articula dados de diversas entidades para oferecer um panorama construído com profusão de informações.

No primeiro semestre de 2020, por exemplo, o documento (a partir de informações da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – Antra) informa que houve um aumento de 39% nos casos de assassinatos de pessoas trans no Brasil em comparação com o mesmo período do ano passado. Em 2019, foram registradas 64 ocorrências nos seis primeiros meses; em 2020, 89. Em relação a 2018, a Antra – em associação com o Instituto Brasileiro Trans de Educação – indica que 82% dos assassinatos de travestis e transexuais tiveram como vítimas pessoas afrodescendentes.

Em detalhes e de forma interseccional, o volume organizado por Isaac Porto – do Programa LGBTI da entidade no Brasil (sediada em Washington e também conhecida por Raça e Igualdade) – apresenta elementos multifatoriais. O propósito é contribuir com a “discussão a respeito da racialização da conversa sobre violência e discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero no Brasil”, como afirma no prefácio do documento Victor Madrigal-Borloz, especialista independente da ONU em Proteção contra Violência e Discriminação com base na Orientação Sexual e Identidade de Gênero.

“Vivemos em uma sociedade que constrói invisibilidades sobre os corpos dos vulneráveis, principalmente do povo negro. Esse dossiê nos permite apresentar para o Estado brasileiro qual a situação da população negra LGBT. E, quando o Estado continua omisso, buscamos os mecanismos internacionais para denunciar”, afirma ao PPP Janaina Oliveira, representante da Rede Afro LGBT, organização que também contribuiu com insumos e participou da confecção do dossiê. “Os dados são fundamentais inclusive para apontar quais são as violências, as vulnerabilidades e o que é necessário para o enfrentamento dessas múltiplas violências.”

“Vivemos em uma sociedade que constrói invisibilidades sobre os corpos dos vulneráveis”, Janaina Oliveira, Rede Afro LGBT

O material traça um panorama da realidade atual dessa população e também apresenta recomendações ao Estado brasileiro. Dividido em sete capítulos, traz números sobre assassinatos de pessoas LGBTI, violência policial, acesso à Justiça, e direito à saúde, à educação e ao trabalho.

Os organizadores do dossiê dizem que o objetivo é – a partir de bases estatísticas – proporcionar um debate informado, na interconexão entre racismo e realidade LGBTI, para uma melhor e mais precisa visibilização das violações de direitos humanos enfrentadas especialmente pela população trans negra, “em um contexto político adverso ao respeito e à promoção dos direitos humanos no Brasil”, na descrição do diretor executivo do instituto, Carlos Quesada.

“Infelizmente ainda somos reféns da violência física e que em muitos casos nos leva à morte. Esse material é importante por apontar não somente o racismo estrutural, mas a violência em razão da orientação sexual e da identidade de gênero. E que os territórios, por mais diversos que sejam, apresentam ainda assim violências muito idênticas”, contextualiza Oliveira.

O informe foi realizado pelo Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos em parceria com ativistas trans LGBTI e as organizações Antra, Grupo Conexão G de Cidadania de Favelas, Instituto Transformar Shélida Ayana e Rede Nacional de Negras e Negros LGBT (Rede Afro LGBT).

“É a primeira publicação no Brasil específica para a população negra LGBT e que traz fortemente a realidade do impacto do racismo no acesso aos serviços públicos”, observa Oliveira. “Porque já havia dados pontuais sobre a população negra e separadamente sobre a população LGBT, mas a análise dessas interseccionalidades demonstra que mesmo as políticas afirmativas para essas duas populações podem não atendê-las adequadamente.”

Dossiê: “Qual é a cor do invisível? A situação dos direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil”
Lançamento: dia 5, das 11h30 às 13h30, com intervenção artística da rapper MC Carol Dal Farra
Como participar: por Zoom – registro pelo link: bit.ly/32ZZ2f5

Fonte: Por Denise Mota, da Preta, Preto, Pretinhos  na Folha de S.Paulo

+ sobre o tema

Quem é Luiza Bairros

Quem é Luiza Bairros? Ministra de Estado Chefe da Secretaria...

Mulheres se unem nas redes sociais para frear Bolsonaro

Grupo de discussão no Facebook atrai mais de meio...

“O pai da minha filha é gay e a criamos em um lar cheio de amor”

Os professores Juliana Fernandes, 28, e Rafael Fernandes, 28,...

Patriarcado da violência

A brutalidade não é constitutiva da natureza masculina, mas...

para lembrar

61% dos profissionais LGBT brasileiros escondem sua orientação no trabalho, diz pesquisa

Apesar de 75% das empresas terem políticas que proíbem...

Artista que criou icônico pôster de esperança por Obama lança novas imagens

Há oito anos, o artista Shepard Fairey criou uma...

Thereza Santos – Teatróloga, professora, filósofa e militante negra

Após perguntarmos quantas escritoras negras você leu, sentimos a...

“Ele é agressivo verbalmente e não percebe”

E é muito difícil explicar para ele que a...
spot_imgspot_img

Órfãos do feminicídio terão atendimento prioritário na emissão do RG

A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e a Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal (SMDF) assinaram uma portaria conjunta que estabelece...

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...
-+=