O racismo de mãos dadas com o vírus: desigualdade racial impera até na pandemia da Covid-19

Períodos difíceis tendem a evidenciar as maiores falhas ou problemas de uma sociedade, que até então poderiam estar camuflados pelo caos cotidiano. No ano passado, o mundo parou com a descoberta do Sars-Cov-2, o coronavírus. Mais especificamente no final de fevereiro, o Brasil identificou o primeiro caso de infecção por Covid-19. De lá para cá, já são mais de 414 mil mortos e cerca de 14,9 milhões de casos. A pandemia, enfrentada em todo o mundo, aqui no nosso país serviu para aprofundar e escancarar desigualdades que já sabíamos que existiam, mas muitos ainda tentavam ignorar. A saúde pública pensada pela perspectiva racial é uma dessas questões que, durante um bom tempo, foi deixada de lado ou abordada sem a devida importância. Trata-se, porém, de um assunto urgente e necessário de ser discutido. 

As estratégias de enfrentamento à Covid-19 e os Planos de Imunização, seja o nacional ou de estados e municípios, não fazem o necessário recorte racial. A realidade de pessoas negras e pessoas brancas não é igual. É preciso, portanto, que as políticas públicas levem em consideração as desigualdades causadas pelo racismo. Para visualizar melhor essa questão, vamos analisar o caso específico de Niterói, minha cidade. Aqui, a população negra vive, em média, 13 anos a menos que a população branca, de acordo com um estudo realizado pela Casa Fluminense no ano passado. Por isso, nós, que estamos em espaços de poder, temos que pensar em maneiras de lidar com essa disparidade, inclusive no que diz respeito à realidade pandêmica.

Para alcançarmos um cenário mais justo e positivo para o povo negro, precisamos que as medidas para lidar com a crise sanitária que vivemos contem com abordagem racial. É necessário, por exemplo, a existência de um tópico referente a raça nas fichas de testagem e vacinação, para termos acesso aos números de infectados e total de vacinados considerando a questão racial. Precisamos também humanizar o processo de atendimento e acolhimento, para que não haja discriminação a pretos e pardos nos espaços de saúde, além da realização de divulgação massiva de informações sobre o enfrentamento da pandemia, cuidados sanitários e plano de imunização em favelas, periferias, quilombos e demais espaços que, em geral, são ocupados majoritariamente por pessoas negras.

Pensando nos critérios de imunização da população seguidos pelo Brasil, a faixa etária é o fator que conduz as campanhas vacinais. A problemática de um plano de imunização que se pauta exclusivamente pela idade está no fato de colocar no mesmo patamar pessoas de diferentes raças, classes sociais e localidades. Uma grande parcela do povo negro vive em favelas e comunidades, herança do período da escravidão e de uma abolição sem reparação que ainda nos impacta até os dias de hoje. Nesses espaços, muitas vezes não há saneamento básico e o acesso a hospitais e postos de saúde é dificultado. A pobreza, perpassada pela questão racial, é um ponto determinante para o adoecimento da população negra, seja de Covid-19 ou por doenças como a tuberculose, a hipertensão e a diabetes, entre outras, que podem agravar os casos de infecção pelo coronavírus. O povo negro faz parte de um dos grupos que estão mais vulneráveis no grave momento sanitário que vivemos. Quem está submetido a mais riscos, precisa ser protegido e contemplado por iniciativas que funcionem como uma reparação das desigualdades acometidas pela estrutura racista da nossa sociedade.

 

Verônica Lima é vereadora de Niterói e foi a primeira mulher negra eleita para a Câmara da cidade.
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