Negócios ilegais entre meios de comunicação e igrejas entram na mira do MPF

O tema da revenda de espaços na grade de programação de veículos de radiodifusão a igrejas e entidades religiosas chegou, enfim, à Justiça. O Ministério Público Federal de São Paulo ajuizou duas ações pedindo a invalidação das outorgas do Grupo CNT e da Rede21, que possuem contratos milionários – e obscuros – com entidades religiosas, o que o MPF classifica como inconstitucional.

por Felipe Bianchi  no Barão de Itararé 

Tanto a TV CNT quanto a Rede 21 (UHF do grupo Bandeirantes), concessionárias de serviços públicos, venderam 22 horas diárias de sua programação para a Igreja Universal do Reino de Deus em um valor que, somado, pode chegar à quase R$ 1 bilhão – a entidade se nega a informar os valores oficiais. O acordo, segundo o MPF, fere a premissa de que o serviço de radiodifusão deve ser prestado diretamente pela União ou por meio de concessão, autorização ou permissão, além de extrapolar o limite legal de 25% do horário da programação diária para publicidade comercial.

Para o órgão, ao venderem 22 horas diárias de programação à Universal, a Rede 21 e o Grupo CNT “extrapolaram os limites da concessão do serviço de radiodifusão, infringindo, assim, inúmeros dispositivos da Constituição da República, do Código Brasileiro de Telecomunicações e do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão”.

O rádio e a TV são considerados serviços de interesse nacional e sua exploração comercial não pode prejudicar as finalidades educativa e cultural, caracterizando uma “alienação da concessão pública”, acrescenta a assessoria de comunicação da Procuradoria da República em São Paulo. O capítulo da Constituição Federal que versa sobre o campo da comunicação estabelece, de fato, que o serviço de radiodifusão deve priorizar conteúdos com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.

De acordo com os processos, os contratos de arrendamento transferem à Igreja Universal do Reino de Deus os poderes de uso e gozo dos serviços de radiodifusão, já que, na prática, a entidade religiosa é que cumprirá a execução do serviço. “Ocorre que concessionários de serviços públicos não podem, sem a observância aos trâmites legais, alienar livremente a terceiros sua posição. Por essa razão, as outorgas devem ser invalidadas”, salienta a nota do MPF.

O desrespeito ao limite de tempo para a publicidade comercial em emissoras de TV também foi aprofundado no comunicado: a regra existe para impedir que o beneficiário da outorga preste o serviço público focado exclusivamente na obtenção de lucro, estimulando, por consequência, a preferência por conteúdos que atendam aos princípios previstos na carta magna do país.

Por conta da infração, o MPF pede a invalidação da outorga, declaração de inidoneidade dos envolvidos (o que os impediria de concorrer a novas licitações), além da condenação e indenização por danos morais. A Igreja Universal do Reino de Deus, inclusive, “tornou-se corresponsável solidária pelos danos advindos de tal violação”, conforme descrevem as ações judiciais.

O contrato referente à Rede 21 foi firmado em outubro de 2013, com duração de cinco anos. Já o negócio com o Grupo CNT, assinado em junho de 2014, prevê oito anos de transmissão ininterrupta de proselitismo religioso. De acordo com informações publicadas em maio deste ano pela Folha de S. Paulo e reproduzidas pela assessoria do MPF, entretanto, o Grupo CNT receberia R$ 5 milhões por mês, e a Rede 21, R$ 7 milhões. Os montantes totalizariam respectivamente R$ 480 milhões em oito anos e R$ 420 milhões após cinco anos.

Luta antiga ganha perspectivas

O arrendamento da grade de programação para proselitismo religioso é uma pauta presente há anos entre os movimentos de luta pela democratização da comunicação. As ações do MPF ganham ainda mais importância quando somadas aos esforços para a criação do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac), que tramita na Procuradoria da República no Estado de São Paulo desde julho de 2012. A proposta consiste em reunir academia, sociedade civil organizada e o próprio MPF para a sistematização de um debate permanente sobre Comunicação e Direito, com ênfase na radiodifusão e mídias digitais.

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