Em meio à crise de violência, México apresenta taxa de feminicídio próxima à pandemia

Culpabilização do sexo feminino, naturalização da violência e corrupção do Judiciário contribuem para que 6 mulheres sejam mortas diariamente no país

Por Opera Mundi

Seis mulheres são assassinadas todos os dias no México, revela o Observatório Nacional Cidadão de feminicídio, uma coalizão de 43 grupos que documentam essa modalidade de crime no país. No entanto, somente 24% dos 3.892 femicídios identificados pelo órgão entre 2012 e 2013 foram de fato investigados pelas autoridades e apenas 1,6% resultou em condenação.

“Feminicídios são uma pandemia no México”, define Ana Güezmes, representante local da ONU Mulheres, agência dedicada às questões de gênero, à Al Jazeera America.

Para ela, a impunidade é o principal motor deste crime, impulsionado por condutas sociais que permitem que a violência contra o sexo feminino seja ignorada e vista como situação normal no país.

Além disso, a maioria desses casos se perde no corrupto sistema de Justiça do México, onde policiais culpabilizam a mulher e frequentemente são comprados por grupos criminosos, permitindo que os assassinos escapem da punição, explica Maria de la Luz Estrada, líder do Observatório, ao mesmo veículo.

A palavra feminicídio entrou no debate mexicano nos anos 1990, após uma onda de desaparecimentos e assassinatos de mulheres em Ciudad Juárez. Para ativistas do órgão, a distinção de femicídio na lei é importante, porque a natureza sexual do crime distingue as mortes de um homicídio comum.

“Em uma sociedade machista como a do México, as autoridades estão sempre questionando o que as mulheres fizeram. ‘O que ela estava vestindo? Ela era sexualmente ativa?’ Isto perpetua a impunidade”, explica Maria de la Luz. Para combater a falta de estatísticas confiáveis do governo, o Observatório realiza entrevistas porta-a-porta em bairros marginalizados, onde o feminicídio ocorre com frequência. Em geral, as vítimas são mulheres jovens vulneráveis, mães solteiras pobres ou adolescentes que não têm dinheiro ou influência para buscar uma ação legal e reivindicar seus direitos.

Tal naturalização da violação se traduz em outros dados da agência das Nações Unidas: pelo menos 63% das mulheres relatam ter sofrido abusos por mãos masculinas que, em sua maioria, tratava-se de parceiros sexuais das vítimas.

De acordo com a promotora especial para crimes violentos contra as mulheres, Nelly Montealegre Diaz, não houve um caso de feminicídio processado em 2014. Ela culpa a impunidade, a corrupção e a dificuldade que a sociedade tem em aceitar a especificidade da violência de gênero. “Se um alguém vê uma colega com um olho roxo ou um pai batendo na mãe, eles pensam que é normal. As mulheres são vistas como objetos”, critica.

Em 2014, o México enfrentou e continua enfrentando uma das maiores crises políticas e turbulências sociais após o desaparecimento de 43 estudantes da escola de Ayotzinapa que desapareceram em Iguala, no estado de Guerrero, no fim de setembro. O crime teria sido resultado de uma ação conjunta entre o governo local e os cartéis de narcotráfico.Alvo de exigências de impeachment, o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, tem entre suas bandeiras o combate à violência das drogas em geral, mas nunca se pronunciou contra o feminicídio, uma preocupante tendência que se aproxima à pandemia no país.

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