Abdias sempre

O centenário de nascimento foi em 2014, mas o tempo de reverenciar Abdias é sempre. Amanhã, o mais importante líder negro nacional do século XX (crianças, anotem!) será homenageado em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos de uma das casas que ajudou a dignificar, o Senado Federal. Na cerimônia, estarão o nigeriano Wole Soyinka, primeiro africano a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1986, e o historiador ganês Anani Dzidzienyo, professor da Brown University (EUA) e velho estudioso das relações raciais no Brasil. Participam também representantes da Marcha das Mulheres Negras, da Comissão da Verdade da Escravidão e do Educafro. Lembrar Abdias Nascimento é revisitar a luta, ainda em curso, do povo negro contra o racismo, pela igualdade. Salve ele!

Escritor, artista plástico, teatrólogo, professor, político e, sobretudo, ativista da causa negra, Abdias partiu do aiyê (mundo físico, em iorubá) para o orun (espiritual), em maio de 2011. Morrer não é verbo adequado ao militante que, muito antes da popularização do multiculturalismo, batalhou pela valorização da ancestralidade e das tradições afro-brasileiras. Em 1983, quando assumiu cadeira na Câmara dos Deputados, evocou Olorum (“criador de todas as coisas”) e os orixás Exu (“senhor de todos os caminhos”) e Oxum (“doadora do amor, da compaixão e da esperança”).

A jornada terrena do mestre é contada em “Abdias Nascimento — Grandes vultos que honraram o Senado” (Editora Senado, 345 páginas, R$ 25) pela socióloga Elisa Larkin Nascimento, com lançamentos amanhã, em Brasília, e quarta, no Rio. Mulher e parceira de luta por 36 anos, mãe do caçula de Abdias, Osiris, Elisa produziu obra densa e emocionada.

O livro é consistente na apresentação das propostas políticas do líder. Traz num anexo os projetos de lei apresentados durante os mandatos de secretário estadual no Rio de Janeiro, deputado federal e senador. Ao mesmo tempo, contém discursos, depoimentos e entrevistas nos quais o líder faz críticas contundentes às condições de vida dos negros.

Abdias participou ou foi observador privilegiado de episódios marcantes da História, a partir dos anos 1930. Soube, como poucos, relacioná-los ao cotidiano dos irmãos de cor. Deixou a cidade natal, Franca (SP), aos 16 anos, rumo à capital. Militar e já membro da Frente Negra Brasileira, organização voltada à inclusão da população afrodescendente, foi baleado na Revolução Constitucionalista de 1932. Migrou para o Rio em 1936. Morou em Mangueira. Por protestar contra o Estado Novo, foi preso e cumpriu pena na Frei Caneca.

Fundou, em 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN). No Teatro Municipal do Rio, com permissão do então presidente Getúlio Vargas, encenou “O imperador Jones”. O autor Eugene O’Neill dera o sinal verde. Estava em intercâmbio nos EUA, quando foi decretado o Ato Institucional Nº 5 pela ditadura, em 1968. Passou 12 anos no exílio. Na volta ao Brasil, foi um dos fundadores do PDT com Leonel Brizola.

Único deputado negro na legislatura anterior à Constituinte de 1986, Abdias defendeu na Câmara políticas compensatórias em prol dos negros. Trinta anos atrás, já propunha ensino de história africana e cultura afro-brasileira nas escolas, reserva de vagas no serviço público e bolsas de estudo para negros, classificação do racismo como crime de lesa-pátria, instituição do 20 de novembro como Dia da Consciência Negra e direitos trabalhistas para empregadas domésticas. Algumas agendas se materializaram apenas neste século. Outras seguem na fila.

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