Jovens negros são barrados em shopping do ES e pais vão à polícia

Menores de 18 anos foram impedidos de entrar no Shopping Moxuara.
Segundo vítimas, seguranças alegaram ter uma liminar para a proibição.

Por Wing Costa, do G1 

Jovens menores de 18 anos foram impedidos de entrar desacompanhados de pais ou responsáveis no Shopping Moxuara, em Cariacica.

Abordados pelos seguranças, eles tiveram que mostrar identidade e foram informados pelos funcionários que a proibição se dá baseada numa liminar obtida pelo shopping.

Em pelo menos dois casos, os responsáveis pelos rapazes registraram ocorrência contra o estabelecimento.

No domingo (28), o filho e o sobrinho do professor de artes marciais Luis Mario de Andrade, 39, foram proibidos de entrar no shopping.

“Deixei os dois na porta e fui para casa, voltaria depois para passear também. No caminho meu filho me ligou dizendo que os seguranças barraram a entrada deles”, disse, indignado, o professor, que acredita que a proibição seja motivada por preconceito.

“Fui buscar meu filho e fiquei observando. Os seguranças só abordavam meninos negros, vestidos de determinada maneira e de boné. Outras pessoas passavam livremente. Meu filho reclamou que viu dois meninos conhecidos entrando sem sequer serem parados pelos seguranças”, informou Luiz Mario.

O professor de artes marciais contou ainda que no tempo em que ficou observando, pode ver mais de 20 rapazes barrados na porta do estabelecimento. “Meu menino é um atleta, humilde, tímido. Imagina quem olha os seguranças abordando meu filho e meu sobrinho. Ninguém sabe dessa liminar, vão logo pensar que é bandido”, diz.

Outro jovem que passou pela mesma situação foi Harrison Firmino da Silva, de 17 anos. O adolescente foi até o shopping com o primo, de 16, para comprar uma mochila. Os dois foram parados na porta, revistados e também impedidos. Além da proibição, Harrison disse ter sido tratado com deboche pelo segurança.

“Ele perguntou o que eu ia fazer no shopping. Disse que iria comprar uma mochila. Ele disse: ‘comprar mochila, sei’, de maneira irônica.”, disse o adolescente. “Parecia que eles estavam selecionando um perfil de pessoas, porque disseram que menor não podia entrar sozinho, mas vi duas meninas entrando enquanto eu era abordado”, desabafa.

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Jovens são impedidos de entrar no Shopping Moxuara, em Cariacica (Foto: Reprodução / Facebook)

Liminar
Sobre a liminar alegada pelos seguranças para impedir a entrada dos jovens, a assessoria de imprensa do Shopping Moxuara informou por telefone à reportagem de A Gazeta, na manhã desta segunda-feira (29), que o documento estaria afixado na porta de entrada do centro comercial. No entanto, a reportagem esteve no local e não encontrou qualquer liminar que tratasse do assunto. A liminar também não foi repassada à reportagem.

Também por telefone, nesta terça-feira (1), a assessoria negou ao G1 a existência da liminar e de que qualquer aviso estaria exposto na entrada do shopping.

A diretoria do Moxuara informou, por meio de nota, que a “operação de um shopping center não é planejada para receber manifestações espontâneas e que não tenham sido previamente combinadas com os administradores desse espaço. Para evitar que isso ocorra, e de acordo com procedimentos adotados em situações semelhantes, fomos levados a adotar medidas para garantir um ambiente seguro para clientes, lojistas e funcionários”.

Ao mesmo tempo, a diretoria do Shopping Moxuara deixa claro que repudia qualquer ato de preconceito, que caracterize violação aos direitos da personalidade e dignidade da pessoa. “Estamos tomando as medidas necessárias para averiguar eventuais ocorrências em suas dependências”.

Doutora em Direito analisa o caso
A professora de Direito Civil, doutora em direito e advogada Bruna Lyra Duque informou que o tema é delicado mas que, nesse casso, se não houver autorização judicial, a conduta do shopping pode ser considerada arbitrária. Leia a analise, na íntegra:

“O tema é delicado, pois coloca em análise dois importantes princípios da Constituição Federal, a saber: de um lado, deve a liberdade de locomoção das crianças e adolescentes ser preservada e, de outro lado, a propriedade privada é um direito do Shopping.

Nesse caso, a conduta do Shopping pode ser considerada arbitrária ao impedir, sem critério e sem autorização judicial, a livre circulação dos indivíduos, alegando, para isso, o simples fato dos menores estarem desacompanhados dos seus pais.

A Constituição Federal e o Código Civil determinam que os pais respondem pelos atos praticados por seus filhos, aqui incluindo as crianças (até 12 anos) e os adolescentes (12 a 18 anos). Acontece que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 3o), os menores gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, incluindo, dentre outros, o exercício da liberdade e em condições de dignidade com outros membros da sociedade.

Além disso, a própria Constituição, no artigo 227, determina que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à liberdade”, não podendo colocá-los em situação de discriminação.

Impedir a entrada de um grupo de menores, que circula no local de modo responsável e sem o intuito de ocasionar danos, não resolve o problema. Se o Shopping atuar absolutamente, em preservação à sua propriedade, e anular a liberdade dos menores, a propriedade passa a ser desmesurada e incompatível com a ordem constitucional.

Assim, a questão reside justamente no limite dessa transição entre o patrimonial e a liberdade”.

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