Auxiliar de limpeza ganha indenização por discriminação racial

“Essa negra, para vir trabalhar, está doente, mas para pular carnaval está boa.” Esta foi apenas uma das muitas atitudes discriminatórias, cometidas de forma explícita ou velada por um preposto, que levaram a Justiça do Trabalho a condenar a Fundação Educacional Encosta Inferior do Nordeste (FACCAT), da cidade de Taquara (RS), a pagar indenização de R$ 3 mil a uma auxiliar de limpeza, por dano moral pela prática de racismo.

DO TST

A condenação foi confirmada pela Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou recurso de revista da fundação na sessão de julgamento de 19.11.2008. “Muito me admira que ainda se tenha que decidir litígios por conta dessa espécie de comportamento – retrógrado, ultrapassado, desrespeitoso, que atinge a dignidade da pessoa”, assinalou o presidente da Quinta Turma, ministro Brito Pereira.

O relator, ministro Emmanoel Pereira, lembrou que o julgamento ocorria na véspera do Dia da Consciência Negra, comemorado hoje em 20.11.2008. Na inicial, a trabalhadora informa ter sido sistematicamente perseguida por seu chefe, que sempre se dirigia a ela “chamando-a de ‘negra’ com ar de deboche”.

 

Quando era mandada para outro setor, o chefe informava aos demais funcionários: “vem uma negra trabalhar contigo”. Os depoimentos colhidos na fase de instrução do processo, pela 3ª Vara do Trabalho de Taquara, delinearam um quadro inquestionável para todas as instâncias pelas quais o processo tramitou.

O funcionário acusado de racismo, segundo todas as testemunhas ouvidas, fazia piadas depreciativas, comentava sobre negros de forma preconceituosa, chamava a auxiliar de limpeza de “negrona” e colocava defeitos em seu serviço – defeitos que os próprios colegas afirmaram não existir. “A situação de humilhação chegou ao extremo que levou a empregada a registrar ocorrência policial”, afirmou seu advogado.

A primeira reação da trabalhadora foi pedir uma reunião com o diretor da escola, na qual, em lágrimas, explicou a situação, diante dos colegas da limpeza e do funcionário acusado de destratá-la.

Segundo ela e as demais testemunhas ouvidas, o chefe, ao invés de receber pelo menos uma advertência ou reprovação, foi louvado e teve sua conduta considerada insuspeita, por ter “vestido a camisa da FACCAP”. Ao fim da reunião, o funcionário disse a uma das testemunhas: “Essa negrinha tentou me derrubar, mas não conseguiu.”

O passo seguinte foi, então, o ajuizamento da reclamação trabalhista que resultou na condenação da fundação educacional, mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS).

Ao recorrer mais uma vez, agora por meio de recurso de revista ao TST, a FACCAT sustentou que os elementos caracterizadores do dano moral não foram provados nos autos, pois os depoimentos tratavam apenas de “comentários de corredores e boatos genéricos”. Alegou ainda haver contradição entre as testemunhas e a própria empregada, que admitiu nunca ter ouvido as piadas ofensivas.

Para o ministro Emmanoel Pereira, as provas colhidas demonstraram, à exaustão, a ocorrência do dano à imagem e à honra da trabalhadora, mediante ato perpetrado pelo preposto da fundação.

Os depoimentos revelaram que várias pessoas presenciavam o empregado praticando atos discriminatórios e atacando a raça negra e a auxiliar de limpeza em particular. “O fato de eventualmente a trabalhadora nunca ter ouvido uma piada depreciativa em nada torna menos lesiva a conduta”, afirmou o relator.

“O fato de falar mal e parar de falar quando da aproximação do ofendido não retira a gravidade da conduta e pode até aumentá-la, por constituir atitude dissimulatória com vista também a aumentar o sofrimento da pessoa, que sequer poderia se manifestar, ante a atitude velada e covarde do preposto da empresa”, concluiu, afirmando que a condenação da empresa, em vez de contrariar, “emprestou plena efetividade” ao artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que trata da inviolabilidade do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.

(RR 823/2006-383-04-00.0)

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