Um banho de talento, sensibilidade, ternura e doce beleza

– Fonte: O Tempo Online –

Ai, que vida! O relinchar de um jumento abre a primeira cena, que é invadida pelos acordes da trilha sonora – um forró-brega de letra xexelentíssima, porém mavioso e de gostosura crescente. Numa estonteante paisagem verdejante, uma surrada D20 (Chevrolet, 1985) vermelha, que parece estar numa pista de Fórmula 1, desce a ladeira aos solavancos. Uma nuvem de poeira encobre uns jeguezinhos que pastam modorrentamente… Um lagarto corta a estrada.

Por Fatima Oliveira

Ouve-se cacarejar de galinhas e uma voz: “Devagaaar que minhas galinhas vai morreeer!” A trepidação da D20 é o mote dos diálogos: “- Ave Maria, mãe, esse carro balança demais…/ – Ai, Vanderléa, larga de ser enjoada, menina danada!/ – Seu Panelada, vá devagaaar que minhas galinhas vai morreeer. Ai que vida, meu Deus, ai!” As galinhas batem as asas e sacodem penas pra todo lado. “- Que suas galinhas, senhora! Paaara, já tá chegaaando!/ – Eiiita coisa boooa!”, diz Panelada ao celular. E gargalha… Decerto celebra a modernidade do celular, que contrasta com a estrada de terra e a velha ponte de madeira em meio à beleza dos babaçuais.

{xtypo_quote}Olha a pooonte! (…) Pessoal, cheguemos em Esperantinópolis!” A descida da D20 tem toques de surrealismo, mas é bruta realidade. Brotam vendedores de tudo, sequiosos de vender seus produtos: “Ó a laranja! Compra a laranja aí…/ – É. Panelada, até que enfim! Menino sai! Sai de lá com essas coisas fedidas!/ – Não são fedida, não! É muito é doce… Compra aí dona minina!/ – Você é surdo, é? Não! O ‘O’, o ‘N’ e o ‘A’! Nããão, vê se some e não insiste, garoto chato!/ – Chata é você, sua véa chata!{/xtypo_quote}

Na mercearia-bar-restaurante: {xtypo_quote}… Quer comprar laranja aí, laranja docinha?/ – Quanto é, menino?/ – É um conto!/ – Mãe, dá um real aí!/ – Num tenho um tostão, o dinheiro que eu tinha comprei de bolacha. Tô lisa!/ – Ô, mãe, eu queria tanto comer uma laranja!/ – Vanderléa, minha fia, você tá é cum verme! Destá, quando minha fia terminar de tomar seu remédio, eu vou comprar quantas laranjas você quiser. E das boas! Porque a desse capeta aí tá murcha, por demais da conta…/ – Ave Maria, mãe, nammm! Ô, bichim, depois eu compro, viu? Tá bom?/ – Vanderléa, minha fia, mas esse menino da laranja é atentado! Ô meninozinho insistente…/ – Ave Maria, mamãe, nammm. O bichinho tá querendo vender as coisinhas dele…/ – Vender coisa dele, Vanderléa? Não dê confiança pra esses moleques de rua não, esses trombadinhas/ – Ave Maria, mamãe, nammm…/ – Ah, tô doida pra chegar na minha casa… Não aguento mais essa viagem…/ – Infeliz ruim, eu te pego!{/xtypo_quote}

É a mãe de Vanderléa quem brada, cutucada com uma vara pelo menino das laranjas, que sai correndo e ela atrás. {xtypo_quote}- Te pegueeeeeei… Te peguei! Qual é o teu nome?/ – Meu nome é Gonçalim…/ – Gonçalim, cadê a laranja?/ – Tá na rodoviária…/ – Rodoviária? Pois agora vá buscar que eu quero comprar, vai!/ – Mas você não queria!/ – Mas agora eu quero, você insistiu tanto que eu quero…{/xtypo_quote}

São cenas do belíssimo filme “Ai, Que Vida!” – lançado em meados de 2008, é sucesso no boca a boca no Piauí e no Maranhão. Da lavra do cineasta maranhense Cícero Filho, 25, radicado em Teresina (PI). É uma comédia de crítica à sofrença do povo e à miséria política dos grotões, entremeada de humor e amores brejeiros. Toinha Catingueiro encanta! Um elenco de empatia fatal, com falas e imagens que dão um banho de talento, sensibilidade, ternura e doce beleza.

Matéria original: Um banho de talento, sensibilidade, ternura e doce beleza

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