Os rituais gastronômicos do Natal celebram o Menino Jesus?

Natal aqui é isso mesmo, é a televisão

Por Fátima Oliveira

Onde nasci não se falava muito em dia de Natal, era Dia do Nascimento, conforme escrevi em “O espírito dos natais passados: Natal ou Dia do Nascimento?” (23.12.2008). O centro da comemoração era o Menino Jesus, daí a imperiosa presença dos presépios e da “tiração de reis” – apresentação de reisados, iniciados na véspera do Dia do Nascimento, indo até ao Dia de Reis, 6 de janeiro. Os reisados são autos natalinos de uma beleza indescritível.

O adorável dos dias santos católicos, como Semana Santa e Natal, é o cardápio, já que o ponto alto de tais festas é a comilança, pois os rituais culinários são de dar água na boca. Um complicador contemporâneo é que as comidas tradicionais do Natal brasileiro foram relegadas ao esquecimento, tendo sido substituídas por costumes alimentares de países de clima frio.

Em minha família de origem, o almoço do Dia do Nascimento era sagrado, com peru e leitoa. Não havia a cultura de Papai Noel e nem de presentes. Isso era lá no sertaozão bravo, porque na capital, São Luís do Maranhão, o Natal já era infestado de Papai Noel, ceia de Natal e quetais, embora até hoje os presépios sejam venerados.

O escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, em “Jingobel, Jingobel (Uma história de Natal)”, diz que na ilha de Itaparica, “Referentemente ao Natal, podemos dizer que temos aqui muitos tipos, dependendo. Já tivemos mais, porém o Natal é uma festa que nem todos reúnem condições, aliás, verdade seja dita quase que nenhuns aqui… Então o Natal aqui é isso mesmo, é a televisão”.

Depois que tive a minha própria casa, a cultura gastronômica natalina europeia passou a existir, pois Natal para o meu marido era cultura europeia. Honestamente, continuo gostando muito mais do almoço de Natal do que da ceia natalina. Resolvemos o possível problema criando a nossa prole nas duas tradições gastronômicas.

O escritor colombiano Gabriel García Marquez, em “Estas sinistras festas de Natal” (1980), inicia dizendo que “Ninguém mais se lembra de Deus no Natal. Há tanto barulho de cornetas e de fogos de artifício, tantas grinaldas de fogos coloridos, tantos inocentes perus degolados e tantas angústias de dinheiro, para se ficar bem acima dos recursos reais de que dispomos, que a gente se pergunta se sobra algum tempo para alguém se dar conta de que uma bagunça dessas é para celebrar o aniversário de um menino que nasceu há 2.000 anos em uma manjedoura miserável, a pouca distância de onde havia nascido, uns 1.000 anos antes, o rei Davi”.

E finaliza de modo contundente: “Tudo isso em torno da festa mais espantosa do ano. Uma noite infernal em que as crianças não podem dormir com a casa cheia de bêbados que erram de porta buscando onde desaguar ou perseguindo a esposa de outro que acidentalmente teve a sorte de ficar dormindo na sala. Mentira: não é uma noite de paz e amor, mas o contrário. É a ocasião solene das pessoas de quem não gostamos(…) Não é raro, como acontece frequentemente, que a festa acabe a tiros”.

Corroborando Gabriel García Marquez com minha experiência de muitos e muitos plantões em pronto-socorros, tanto em 24 quanto em 31 de dezembro, posso dizer que o Natal é uma festa violenta – parentes quebrando garrafas de cerveja na cabeça de quem não gostam e muitos acidentes com crianças, principalmente em bicicletas e velocípedes novos. Bem mais violenta que as comemorações do Ano Novo, embora a primeira seja uma festa em família e a segunda “uma festa de rua”.

Fonte: O Tempo

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