O Morro do Bumba & os Filhos deste Solo Afinal, lugar de lixo é no lixo…

Deise Benedito*

São as águas de março fechando o verão é a promessa de vida em meu coração.


Porém as águas das chuvas, por vários anos carregaram o meses, dias, sonhos, esperanças, alegrias e lembranças. Vão os Marcos, marços e maços de vidas que desmoronam nos morros nas encostas das grandes capitais deste País.

As encostas das regiões montanhosas do Rio de Janeiro – uma cidade linda e maravilhosa – são invadidas por aqueles que infelizmente teimam em existir; se proliferam; só trazem ônus para o estado, pois são os que insistem em existir e continuar existindo.

Por mais que o poder público faça, não é o bastante, eles insistem em continuar vivendo.  Mesmo que o poder público ofereça o pior serviço de saúde, eles ainda continuam vivendo. Já nas primeiras horas da manhã, estão nas filas dos hospitais públicos para serem atendidos.  Muitos, mal alimentados, desnutridos, desdentados,  Mesmo que fiquem horas e horas debaixo do frio e da garoa, ele insistem em ser atendidos e reclamam a demora no atendimento.

 

Quando algum é baleado – pois na maioria das vezes a bala não estava perdida e se alojou no local certo… mesmo que a ambulância demore a chegar para recolher o corpo no caído no chão… eles reclamam que poderia ter sido salva mais uma vida. Mesmo que o acesso à justiça seja um direito, eles acreditam em tudo que está escrito num tal papel chamado “constituição brasileira”.

 

Não sei aonde eles acreditam que têm direito! Quando a polícia faz suas incursões na areas onde eles habitam, eles insistem em dizer que são frequentemente mal-tratados pelos agentes do Estados que estão lá trocando tiros para protegê-los.  Mesmo que morram 3, 4 em um confronto onde só foram disparados tiros em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever… Eles têm a coragem de enfrentar a Polícia, quando é o momento da reintegração de posse.

Mesmo que á escola seja de lata, eles insistem em mandar seus filhos estudarem.  Mesmo com a crise mundial as grandes indústrias de minérios , eles insistem em continuar catando latinhas de cerveja e refrigerante, nas portas dos bares, nas proximidades dos grandes estádios, nos locais onde haverá grandes concentrações.  Insistem em tirar o sustendo para levarem para casa, garantindo o “pão nosso de cada dia”.

Eles ainda são ousados: eles querem morar.  Um vê um terreno baldio e, quando vai ver, já tem um barraco, outro, e o plástico preto vai começar a cobrir a o telhado, ai já aparece um outro aqui e ali.  Começa-se a ver crianças descalças,correndo, uma bacia e uma banheira de plástico e, de repente, uma tendinha.  E, aí, vai surgindo mais uma “comunidade” (nome dado as tão famosas e conhecidas “favelas”).  Logo alguém providencia o “gato”: a energia que vem do poste, solenemente roubada.  E, quando menos se espera, já temos um sem número de pessoas que acreditam que têm direito. Ocupam de forma cruel os espaços, instalam-se como se fossem donos do lugar.  Lá estão eles: buscando direitos vão até à prefeitura pedir água.  São abusados! Acham que possuem direitos.

Pois é!  Por incrível que parece este é o tipo de pensamento reinante na cabeça da “elite”, principalmente por parte daqueles que deveriam fazer – e não fizeram, há mais de 120 anos – a tão sonhada “reforma agrária”; a devida reparação aos povos africanos e indígenas aqui escravizados. Até porque as encostas são habitadas, em sua grande maioria, por gente da cor do barro,descendentes de africanos e povos indigenas,cor do barro, esse mesmo barro que enterra os seus, mesmo antes do funeral.  Essa gente marrom, cor do barro, veio do barro, morra no barranco e morre pelo barro, voltando ao barro.

O que vemos é o resultado do total desrespeito com a questão da moradia no Brasil que sempre foi uma constante.  Os programas de habitação sofrem com uma ausência profunda de vontade política.  Ousam criar situações que apenas ficam remediando o problema, ao invés de verdadeiramente resolver.

Todos os anos é o mesmo espetáculo: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte.  Quem são os atingidos? Quem são os soterrados?  Os mesmos que secularmente foram enterrados junto com os projetos políticos dos “administradores públicos”…

Ninguém, após uma tragédia como do Morro do Bumba, assume a culpa.  Afinal, foram seres humanos que, ao longo da sua história de vida, tiveram inúmeros direitos humanos vilipendiados pelo próprio poder público.  O direito de não ter direito e de viver num esgoto sanitário a céu aberto.

Essa massa de gente da cor do barro é que garante a eleição e a reeleição de diversos políticos inescrupulosos, que lutam em manter a sua situação de vida muito bem assegurada. Longe da vulnerabilidade e miserabilidade social e material que vive seu eleitorado preferencial . São nestes espaços ocupados de forma desordenada – que se transforma nos palcos dos “Projetos Sociais”.  É o cenário perfeito das grandes aventuras eleitoreiras . Cada favela, viela, cortiço, encostados nos morros ou nas beiras dos rios tem dono, que não é o “traficante-dono-da-boca” mas é, sim, na verdade é o vereador, o deputado estadual, federal, que ali tem a sua “base” eleitoral. Onde se estabelece os “micros poderes e o controle dos corpos dóceis”.

Assim, é óbvio que se essa “massa ignara”, por ventura, vier a ter seus direitos constitucionais garantidos, propostas orçadas e implementadas, como “reza” o texto constitucional, o que será dos políticos?  Onde esses pobres coitados vão conseguir arregimentar adeptos para as suas “igrejas” ou mesmo para ser o público alvo dos projetos sociais? Onde muitos vão do nada ao lugar nenhum. Mas vale um votinho!

A ausência total de escrúpulos e dignidade, por parte dos agentes públicos é repugnante, pois se houver escolas de qualidade, professores muito bem remunerados, moradias dignas com espaço, areas de lazer, acesso a todas as formas de conhecimento, disseminação de uma programação televisiva de alta qualidade que respeita os valores éticos, sociais, culturais onde os direitos humanos são respeitados, teremos uma grande leva de pessoas “desempregadas”.  A pirâmide da cadeia alimentar vai ser invertida.

Os políticos vão ter, na verdade, de arregaçar as mangas e trabalhar de verdade.  Mas, infelizmente, esta massa tem que continuar a ser tratada como sempre foi… Esta massa deve ser tratada com desrespeito, seus direitos ultrajados e sua capacidade de organização subestimada.  Essa massa de gente da cor do barro, que teima em nascer, crescer e viver tem que ser dizimada de alguma forma. Nada mais eficaz do que a indiferença.  Afinal eles têm a garantia da casa própria. Todos os anos são construídos novos presídios e de alto padrão, até com segurança máxima! Eles reclamam do quê? Pessoal que chora de barriga cheia!

A política de segurança e higiene nunca esteve na ordem do dia, como antes.  A tragédia em Niterói foi causada pela massa que sempre foi considerada lixo do lixo e que jamais poderá ser considerada filha desse solo.  Pois dos filhos deste solo, és mãe gentil e enterras alguns dos seus filhos 2 vezes, pátria amada, Brasil!

* Deise Benedito

 

Presidente Fala Preta! Org. Mulheres Negras.

Forum Nacional de Mulheres Negras

Forum Nacional de Entidades de Direitos Humanos

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