Sonho de escritor em terra estrangeira

Por: Thiago Corrêa

 

São Paulo – Mesmo a um oceano de distância de sua terra natal, o escritor moçambicano Rogério Manjate abriu o sorriso ao descobrir que o jornalista que lhe abordava na Bienal Internacional do Livro de São Paulo era do Diario de Pernambuco: “Você é do Recife? Me sinto em casa naquela cidade”, disse. Embora seu nome ainda não seja tão conhecido na capital pernambucana como o conterrâneo Mia Couto e outros autores africanos de língua portuguesa, como José Eduardo Agualusa, Pepetela e Ondjaki, Manjate tem muitos motivos para se sentir à vontade no Recife.

Desde 2001 vem construindo um intenso intercâmbio cultural com Pernambuco por conta do desdobramento de um grupo de intelectuais de Moçambique formado para discutir a questão da identidade. As discussões romperam as fronteiras do país africano e se integraram a um projeto que envolvia Portugal, Cabo Verde e Brasil. No ano seguinte, Manjate retornou ao Recife para ministrar oficinas oferecidas pelo Programa de Erradicação de Trabalho Infantil (Peti) e acabou estreitando as relações com a cidade, o que lhe rendeu um filho e amizades com os poetas Miró e Pedro Américo de Farias.

Com toda essa afinidade, Manjate tem agora uma chance para difundir sua obra entre os leitores pernambucanos, ao integrar a programação do festival A Letra e a Voz. Ele divide a mesa Literatura & Identidades – Culturas periféricas com o escritor paulista Ferréz. O encontro está agendado para hoje, às 17h, na Livraria Cultura. Nesse bate-papo, o moçambicano certamente fará um relato das condições de ser escritor em seu país. “Quase ninguém comete esse sonho de ser escritor. A literatura na África não acontece em sua própria língua, não conseguimos colocar nossos pensamentos na língua nativa”, disse Manjate.

Num contexto de poucos leitores na terra natal, Manjate diz que os escritores africanos terminam dependentes dos mercados editoriais de Portugal e do Brasil. “Há casos de escritores que só conseguem fazer sentido quando são publicados no exterior. Sóassim ele começa a ser conhecido no próprio país”, observou o escritor, que está lançando por aqui o livro infantil O coelho que fugiu da história.

Segundo ele, o idioma português funcionou como uma estratégia política do governo para manter a unidade de Moçambique no processo de descolonização, frente ao desafio dos três idiomas nativos falados no país. “No Zimbábue, por exemplo, já é diferente. Lá a língua materna ganhou uma relação política que serviu para cortar os laços com os colonizadores”, comparou ele.

Apesar de todas as recentes transformações causadas pela cicatriz deixada pelo processo de pós-colonização, Manjate acredita que a literatura africana já está superando o trauma e partindo para outros temas, além dos políticos. “Antes de 1975, a literatura era muito política de luta. Depois veio a euforia da independência, modificando as histórias da literatura oral para servir à questão da unidade. Depois dos anos 1980, houve uma necessidade de sair disso. Apareceram novas vozes para partilhar as coisas deste tempo”, encerrou o moçambicano.

 

 

Fonte: Diário de Pernambuco

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