Educação sucateada pauta disputa paulistana

Na cidade mais rica do país, as escolas públicas municipais têm um desempenho inferior à média nacional. Entre as capitais, São Paulo está no meio do caminho entre as piores e as melhores. Na prova de português, o aluno da oitava série do ensino fundamental está na 16ª posição da lista de 26 cidades. Em matemática, ocupa a 13ª posição.

A qualidade do ensino e o destino dos R$ 6,9 bilhões da educação no orçamento municipal estarão na vitrine da disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2012. A campanha já desponta marcada por pré-candidaturas de políticos ligados à área: o ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), o ex-secretário estadual de Educação Gabriel Chalita (PMDB) e até mesmo o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, que deixou o PSDB, e decide sua filiação nos próximos dias.

Na cidade governada por Gilberto Kassab (PSD), os alunos da quarta série das escolas públicas municipais tiveram o pior desempenho entre as capitais do Sudeste em português e matemática. Em português, a média foi 177,67. Na cidade do Rio, por exemplo, a média foi 196,93. O resultado nacional das escolas municipais, de 181,38 pontos, foi maior do que o das escolas paulistanas. Os dados são da Prova Brasil 2009, avaliação do Ministério da Educação.

A comparação do resultado mais recente com os de 2005 e 2007 indica que o desempenho na capital melhorou, em especial nos anos iniciais do ensino fundamental, mas está abaixo do que é considerado adequado pelo MEC.

Entre as escolas municipais e estaduais localizadas na capital, a maior diferença na qualidade do ensino está no começo do aprendizado. Em português, a média dos alunos da quarta série foi de 177,67 nas municipais e de 187,09 nas estaduais. Em matemática, 197,50 e 209,03, respectivamente. Apesar do resultado inferior ao do Estado, a prefeitura oferece salários mais altos e um plano de carreira melhor aos professores do que o governo estadual.

O secretário municipal de Educação lista problemas antigos para justificar a qualidade do ensino aquém da desejada e critica a gestão da petista Marta Suplicy (2001-2004). “Não tínhamos currículo unificado nem projeto pedagógico. Havia 75 mil crianças estudando em escolas ou salas de lata. A grande maioria das crianças era alfabetizada em escolas de três turnos, com apenas duas horas e meia, três horas de aula por dia”, diz Alexandre Schneider.

Schneider é o titular da Pasta há seis anos. O secretário diz que em 2005 havia 329 escolas funcionando em três turnos, 75 % do total. Atualmente, 39 escolas ainda funcionam dessa forma, atingindo 62 mil crianças. Só no “turno da fome”, das 11h às 15h, estudam 16 mil. A prefeitura prevê acabar com o terceiro turno só no fim de 2012.

As escolas e salas de lata foram extintas em 2006. A ex-secretária municipal Maria Aparecida Perez, da gestão Marta, afirma que, apesar de não ter acabado com essas escolas, deixou as obras licitadas para substitui-las. “Assumimos o governo com essas escolas, que custaram o preço das de alvenaria. Fizemos um plano para fechá-las e ficou tudo pronto para o governo Serra inaugurar”.

O investimento em educação na cidade foi reduzido na gestão Marta e mantido assim por Kassab. A Constituição determina que 25% da receita obtida com impostos seja aplicada em educação. A ex-prefeita Luiza Erundina (1989-1992) aumentou para 30%. Marta subiu o percentual para 31%, mas 6% foram para transporte escolar, entrega de leite, uniformes, merenda, programa de transferência de renda e bolsa trabalho – rubricas de “educação inclusiva”-, deixando só os 25% obrigatórios para investimentos diretos em educação. “Esses 6% são para programas importantes, mas não para educação. No fundo houve redução dos recursos”, diz Schneider. O governo Kassab, no entanto, continuou a prática. “É difícil mudar o percentual sem acabar com um programa”, afirma. A prefeitura apresentou uma proposta para voltar a aplicar os 30%, mas só nas próximas gestões.

Com menos recursos e um desempenho escolar abaixo do recomendado pelo MEC, o governo municipal apostou na meritocracia, vinculando o pagamento de bônus ao resultado dos alunos e escolas em avaliações por meio do programa Indique, lançado neste ano.

O pagamento de bônus vinculado ao desempenho em provas divide especialistas e partidos políticos e deve ser levada para o centro do debate eleitoral em 2012.

O secretário municipal diz que a meritocracia não está separada de outras políticas da prefeitura. “Não vejo como o pagamento isolado de bônus melhore a educação. Tem que ter boa carreira, bom salário e boas condições de trabalho. O bônus é só o reconhecimento dos bons profissionais”, afirma Schneider.

Gabriel Chalita adotou a política quando foi secretário estadual de Educação, entre 2003 e 2006, e diz que a manteria. Mas reclama da forma como a política foi usada na gestão estadual de José Serra (2007-2010). “Foi exagerado. Não se pode culpar o professor pelo fracasso. É irresponsabilidade política.”

O PT tem resistência a essa política por considerá-la injusta. A senadora e pré-candidata Marta Suplicy já disse publicamente ser contra e Haddad diz que é preciso ter cuidado na implementação.

Especialistas também fazem ressalvas. “A bonificação não tem levado à melhoria na qualidade do ensino”, afirma Cesar Callegari, do Conselho Nacional de Educação. “A outra face da premiação é a punição. Essa política pode se tornar um desincentivo”, diz. Para Rubens de Camargo, da USP, a medida “pune professores, gestores e alunos”. “Não adianta dar atenção e mais recursos às melhores escolas. Tem que diminuir as desigualdades”, analisa.

O professor da USP Ocimar Munhoz Alavarse defende as avaliações para definir políticas educacionais, não para bonificar: “Uma coisa é ter um indicador para orientar as ações. Outra é definir quem vai ganhar mais ou será castigado.” Alavarse considera o Índice Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb), do governo federal, um exemplo positivo. Por meio do Ideb, o MEC identifica as escolas com desempenho mais baixo e as ajuda com recursos e projetos.

Schneider diz que, além dos bônus, a prefeitura melhorou o salário dos docentes. “Demos um aumento de 20,9% acima da inflação.” O presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal, vereador Cláudio Fonseca (PPS), se diz satisfeito. “O governo aumentou o piso de R$ 1,2 mil para R$ 2,6 mil e o reajuste salarial foi maior do que na gestão Marta”. Outro investimento, diz Schneider, foi a adoção de dois professores na sala de aula. O segundo professor, no entanto, é um estagiário, o que é visto com desconfiança por especialistas. “O estagiário acaba fazendo o trabalho de um profissional, só que ganhando menos”, diz Camargo.

A alfabetização na cidade é outro problema e 23% dos alunos não estão alfabetizados no segundo ano do ensino fundamental. O secretário admite que o índice é alto, mas diz que era pior: há três anos era de 40%. Assim como no Estado, a capital paulista adota a progressão continuada, política que também divide especialistas e partidos. “Em São Paulo, a progressão continuada tornou-se aprovação automática”, critica Callegari. “Isso desvinculou as escolas da qualidade de ensino”, aponta. No Estado, a política é identificada com o PSDB e criticada pelo PT.

Diante de uma disputa acirrada pela prefeitura em 2012, o PT, oposição a Kassab, prepara suas bandeiras na educação. Uma delas é o Centro Educacional Unificado (CEU), marca da gestão Marta. As escolas, com equipamentos culturais e esportivos, foram mantidas por Serra/Kassab, mas de forma diferente. Marta fez 21 CEUs e seus sucessores fizeram 25. No entanto, os terrenos são menores e as atividades foram reduzidas. O diretor da creche do CEU Feitiço da Vila, Cleber Silva, compara: “É visível a mudança. Antes tinha mais envolvimento da comunidade, com atividades o tempo todo. Agora, só no fim de semana”, diz. O Ministério da Educação, com Haddad, vitamina essas vitrines, com a criação de um campus da universidade federal na zona leste e a distribuição de 178 mil bolsas do Prouni.

Fonte: Clipping

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