Com filme novo, Spike Lee fala de seu jeito de fazer cinema

“Cara, se você não pode apostar em si mesmo, então o que está fazendo?”, diz Lee numa entrevista por telefone. “Meus pais disseram para a gente: ‘se vocês quiserem alguma coisa, vão atrás dela’.” O diretor/produtor/escritor/ator de 55 anos, conhecido por seus filmes incendiários ‘Faça a Coisa Certa’ (1989) e ‘Malcolm X’ (1992), explodiu no cinema no fim dos anos 1980 com filmes ousados que não tinham medo de ir fundo em questões como racismo e política. Sua obra abriu caminho para outros realizadores afro-americanos, notadamente John Singleton e Tyler Perry, e serviu de trampolim para a carreira de atores como Samuel L. Jackson e Denzel Washington.

Victoria Will/Invision/AP

Na época, Lee dirigia filmes controvertidos; ele próprio é polêmico na vida real. Hoje, suas produções se enquadram mais na linha tradicional, mas sua perspectiva se mantém dura e mordaz. Em janeiro, na estreia no Sundance Film Festival de seu novo filme, ‘Red Hook Summer’, ele reagiu enfurecido contra os estúdios de Hollywood, afirmando que “não sabem nada sobre os negros”. Uma das suas queixas favoritas é que as reações das pessoas à sua vida fora da tela se misturam às suas opiniões sobre seus filmes, incluindo os críticos. “Raramente falam das qualidades artísticas dos meus filmes.”

‘Red Hook Summer’, em cartaz nos EUA, é um retorno aos filmes ambientados no Brooklyn do início de sua carreira e fala de um rapaz de Atlanta (Jules Brown) que passa o verão com o avô (Clarke Peters), um pregador de um bairro pobre do Brooklyn. Lee aparece novamente em seu papel de entregador de pizza, o Mookie de ‘Faça a Coisa Certa’. A parte final do filme, que mistura sexo e religião, tem a intenção de chocar. Mas Lee não está perturbado. “Não é nada de mais.”

Muitas de suas produções, como ‘Faça a Coisa Certa’ e ‘Malcolm X’, mas também a história inter-racial ‘Febre da Selva’ (1990), a comédia sobre sexo por telefone ‘Girl 6′ (1996), a sátira ferina sobre a indústria do entretenimento ‘Bamboozled – A Hora do Show’ (2000) e a farsa sobre política ‘Ela me Odeia’ (2004), causaram verdadeiros furacões.

Não obstante, Lee insiste que não é deliberadamente provocador. Além disso, por mais que os outros insistam no contrário, ele garante que seus filmes não tratam da experiência afro-americana, mas de histórias que ele quer contar. “Nunca tentei me apresentar como um porta-voz da população negra. São minhas opiniões pessoais.”

Lee fez carreira procurando equilibrar-se entre o cinema independente e o sistema dos estúdios. Ultimamente, entretanto, ele e Hollywood têm divergências irreconciliáveis. Particularmente irritante para o realizador é a má vontade da Universal Pictures em dar sinal verde para a continuação de ‘O Plano Perfeito’ (2006). Este filme, estrelado por Jodie Foster, Clive Owen e Denzel Washington, foi o maior sucesso comercial de Lee, com um faturamento bruto de US$ 180 milhões no mundo todo.

‘Red Hook Summer’ é o mais recente dos filmes que constituem, segundo Lee, as Crônicas do Brooklyn, seguindo os passos de ‘She’s Gotta Give It’, ‘Faça a Coisa Certa’, ‘Crooklyn’, ‘Clockers’ e ‘He Got Game’.

Foi no Brooklyn que Lee fundou sua produtora, 40 Acres and a Mule Filmworks, em 1986. Ainda trabalha lá; vai e volta diariamente de sua luxuosa casa no Upper East Side em Manhattan, onde mora com a mulher, a advogada agora produtora Tonya Lee, e seus filhos, Satchel, de 18 anos, e Jackson de 15.

‘Red Hook Summer’ baseia-se na autobiografia do autor, nascido Shelton Lee em Atlanta, numa família de 6 irmãos. Eles cresceram no Brooklyn, onde sua mãe lecionava enquanto o pai, Bill Lee, tocava jazz em shows. E lembra que somente quando se matriculou no Morehouse College de Atlanta e teve de escolher um curso – comunicação de massa – “o cinema o descobriu”.

Três anos depois de se formar, obteve o master em produção cinematográfica na Tisch School of Arts da Universidade de NY.
Seus filmes mais recentes, ‘Ela me Odeia’ e ‘Miracle at St. Anna’ (2008), não tiveram boa bilheteria, mas o cinema é apenas uma parte desse conglomerado de um homem só. Além de sua aventura no teatro, com ‘Mike Tyson: Undisputed Truth’, espetáculo solo interpretado pelo ex-boxeador, ele trabalhou na TV e fez vários documentários elogiados, como ‘4 Little Girls’, indicado para o Oscar (1997), e dois sobre as consequências do Furacão Katrina, o vencedor do Emmy ‘When the Levees Broke: A Requiem in Four Acts’ (2006) e ‘If God Is Willing and da Creek Don’t Rise’ (2010). No fim do ano, estreia o documentário ‘Bad 25′ (sobre o álbum de Michael Jackson de 1987), que, após homenagem a Lee, será exibido na sexta-feira no Festival de Veneza, que começa hoje. (The New York Times/Tradução Anna Capovilla)

 

Fonte: Blog estadão 

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