A reconciliação de Mandela – por Vladimir Safatle

Ao que tudo indica, a África do Sul, dentro de algum tempo, irá se confrontar com as obséquias de seu herói nacional, Nelson Mandela.

É certo que a reconciliação sul-africana está longe de ser uma operação completamente bem-sucedida. Embora uma classe média negra tenha aparecido e negros possam ser encontrados na direção de certas empresas, a desigualdade econômica entre raças ainda é gritante. Casamentos mistos continuam sendo extremamente raros.

A experiência sul-africana liderada por Mandela nos deixa, no entanto, uma questão que merece longa reflexão. O apartheid foi inventado por um povo, à sua maneira oprimido.

A colonização branca começou com os holandeses, na região onde hoje se encontra a Cidade do Cabo. A partir do início do século 19 e impulsionados pela luta pela posse dos recursos naturais sul-africanos, os britânicos se estabeleceram no país, começando um longo processo de conquistas que culminou na Guerra dos Bôeres, no final do mesmo século. Nesta guerra entre britânicos e principalmente holandeses (africâneres), apareceram os primeiros campos de concentração nos quais toda uma população foi alvo sistemático de encarceramento.

Foi esse povo oprimido pela pela experiência do domínio britânico e pelos campos que, logo após a Segunda Guerra Mundial, alimentado por um nacionalismo vivenciado como defesa contra a humilhação, proclamou a República da África do Sul, instaurando o regime do apartheid. Ou seja, a experiência da opressão não levou à alguma forma de consciência social do trauma da colonização. Ela levou à justificação do direito de defender seu povo, custe o que custar, usando o pior sistema ideológico possível.

Talvez tenha sido a consciência do ciclo interminável no qual a vítima de outrora, animada pelo ressentimento, se transforma no próximo agressor que levou Mandela a procurar a reconciliação que acabou por ser implementada. A África do Sul tinha tudo para entrar em uma verdadeira guerra civil, mas ao menos isto não ocorreu.

Essa reconciliação foi, entretanto, baseada em uma ideia fundamental: só é possível perdoar quem reconhece seu crime. A experiência social do perdão exigiu, em contrapartida, que os responsáveis por atos racistas pedissem perdão e confessassem seus crimes diante das vítimas ou de seus familiares.

Isso não significa que a justiça foi feita, mas implica, ao menos, que o solo mínimo da anistia é a culpabilização social de quem praticou crimes contra a humanidade. Por isso, quando Mandela morrer, o Brasil também merecerá parar e pensar.

 

 

 

 

+ sobre o tema

Elizabeth Eckford, a mulher que desafiou o racismo americano

Como todas as pessoas negras no sul dos Estados...

‘Olhos que condenam’ é a série mais vista da Netflix, desde a estreia

Netflix não revelou dados exatos de audiência da série Do...

Antes de Pelé, Dondinho é que era o ídolo em Três Corações (MG)

Por Adilson Barros Façanhas do pai do Rei do...

para lembrar

A Cor Púrpura | Steven Spielberg e Oprah Winfrey produzirão versão musical da adaptação

Filme não tem data de estreia definida. Por Marco Victor Do...

Alexandra Priscila do Nascimento

Alexandra Priscila do Nascimento (Limeira, 16 de setembro de 1981) é uma handebolista brasileira, integrante daseleção...

Kim Kardashian mostra pela primeira vez o rosto do filho Saint

Finalmente o mundo conheceu o rostinho de Saint Kardashian...

Alcione

Alcione Nazareth (São Luís, 21 de novembro de 1947) é...
spot_imgspot_img

50 anos de Sabotage: Projeto celebra rapper ‘a frente do tempo e fora da curva’

Um dos maiores nomes no hip hop nacional, Sabotage — como era conhecido Mauro Mateus dos Santos — completaria 50 anos no ano passado. Coincidentemente no mesmo ano...

Festival Feira Preta tem shows de Luedji Luna, Tasha & Tracie e Marcelo D2 a partir de sexta no Parque Ibirapuera, em SP

Mais uma edição do Festival Feira Preta, um dos maiores eventos de cultura negra da América Latina, vai ser realizado a partir desta sexta-feira...

Iza faz primeiro show grávida e se emociona: “Eu estou muito feliz”

Iza se apresentou pela primeira vez grávida na noite do sábado (27), em um show realizado no Sesc + Pop, em Brasília, no Distrito Federal. Destacando...
-+=