Pesquisa CNT: para além dos dados eleitorais, a opinião sobre as instituições – Por: Dennis de Oliveira

A última pesquisa da CNT traz alguns dados interessantes, além dos que foram amplamente divulgados pela mídia sobre as eleições presidenciais. Ative-me na leitura da íntegra do relatório sobre a opinião dos entrevistados sobre algumas instituições.

Em 2007, a Universidade Harvard fez um estudo parecido com a população dos EUA sobre as instituições daquele país. Havia um descontentamento grande com os rumos do governo Bush, os desdobramentos da invasão do Iraque e do Afeganistão e a crise econômica. Isto motivou uma crítica dura dos norte-americanos a praticamente todas as instituições-chave do sistema democrático, principalmente aquelas mais marcadamente de espírito liberal: o poder executivo, o legislativo, a imprensa. Em compensação, instituições de inspiração não liberal ou conservadora eram melhor avaliadas, como as Forças Armadas.

A imprensa foi uma das piores avaliadas, perdendo apenas para o Congresso. A maioria esmagadora dizia que ela manipulava a informação, que defendia determinados candidatos e não informava corretamente o público, além de estar articulada com grupos de poder.

A pesquisa feita pela CNT em setembro tem resultados semelhantes a alguns da norte-americana. Com um detalhe: enquanto a pesquisa de Harvard captou um sentimento de descontentamento crescente da opinião pública norte-americana com o governo, a da CNT ocorre em um momento diverso, a de uma recuperação da confiança da população brasileira nos rumos do atual governo. A pesquisa de Harvard indicava já a preferência dos norte-americanos por um candidato da oposição e uma avaliação bastante negativa do então presidente dos EUA. Por aqui, a pesquisa da CNT demonstra uma recuperação das intenções de voto na atual presidenta da República, uma estagnação dos candidatos de oposição e uma leve recuperação na confiança nos rumos da economia do país. A avaliação da imagem da atual presidenta também melhora e o seu partido continua tendo a preferência dos eleitores segundo esta mesma pesquisa.

Agora, há uma coincidência nas críticas a instituições. Exceto no caso do Judiciário, no qual os norte-americanos depositavam grande confiança (enquanto por aqui, apenas 28% dos brasileiros confiam sempre ou muito na Justiça); a pesquisa CNT captou que apenas 34,8% confia na mídia; 14,3% no Congresso Nacional; 27% no serviço público, 30,2% na polícia. Em compensação, 62,6% confia na igreja; 53,5% nas Forças Armadas. Apesar disto, a percepção de religião e política não se devem misturar é majoritária: 57,8% é contra a candidatura de líderes políticos e 66,2% afirmaram que não votariam em um candidato indicado pela igreja.

Algumas inferências: a crítica a instituições pode ser produto da desconfiança em pactos normatizados existente na cultura brasileira, conforme afirma Sérgio Buarque de Holanda. Assim, percebe-se que as críticas se dirigem mais a instituições que são fiscalizadas e monitoradas publicamente e/ou utilizadas pela população (governo, congresso, polícia, serviço público). As Forças Armadas são uma instituição pouco fiscalizada e as igrejas também (além delas serem produtos de opções religiosas voluntárias).

Sobra a mídia. Por que ela é mal avaliada, se ela própria pouco se avalia e, mais que isto, rejeita qualquer tipo de avaliação tachando-a de “limitação da liberdade de expressão”? Além disto, ela se apresenta como o “representante” do cidadão no monitoramento dos demais poderes públicos, em alguns momentos chegando até a patética posição de que as manifestações das ruas foram pautadas por reportagens de um certo jornal.

O interessante é que estes dados sobre a avaliação da imprensa não foram divulgados pela mídia hegemônica, quase todos ficaram apenas e tão somente nos dados sobre as eleições e a avaliação do programa Mais Médicos do governo federal. O amadurecimento democrático da sociedade brasileira vai cada vez mais na direção contrária ao papel que a mídia hegemônica vem desempenhando na sociedade e isto vem sendo percebido pela sociedade – apenas os barões das empresas de comunicação querem tampar os olhos para isto.

Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP)

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