Sobre racismo, mídias, religiosidade e humor – Por: Douglas Belchior

O trabalho de humoristas sempre foi objeto de debate entre os ativistas do Movimento Negro, Feministas e Lgbt’s. Afinal, através da comédia, valores negativos e degradantes relacionados a mulheres, negros, homossexuais, nordestinos e pobres sempre foram amplamente promovidos com suavidade, graça e de maneira a se naturalizar.

Sobre o humor em si, as opiniões se dividem basicamente em duas posições: a que defende que o comediante não tem compromisso com a sociedade para além de fazer rir, independentemente do alvo; E a dos que acreditam que a comédia, para ter qualidade, precisa ser inteligente, ir além do senso comum e não ter como objeto de suas elaborações grupos já estigmatizados e historicamente oprimidos.

Esta semana um *programa de “humor” chamou a atenção pelo teor da ofensa dirigida às religiões de matriz africana. O “Te pequei na TV”, da Rede TV, comandado pelo humorista João Kleber, veiculou dia 06/10/2013 às 20h um quadro em que um personagem aparece na rua “vendendo passes”. Os clientes, acreditando se tratar de passagens para transporte público. Após o pagamento são surpreendidos com uma segunda personagem que surge para “dar o passe”. Ela aparece caracterizada como religiosa de umbanda ou candomblé e apresentada pelo primeiro personagem como macumbeira. A cena pode ser vista entre os minutos 4:48s e 8:39s do vídeo abaixo.

Fomento ao preconceito, ao racismo, machismo, violência contra mulheres e homofobia são recorrentes em programas e apresentações humorísticas. Alguns casos ganharam repercussão, como a de Danilo Gentile, que chegou a ser investigado pelo Ministério Público Federal de São Paulo por declarações racistas. Mais recentemente a Rede Globo foi alvo de investigação por conta do humorístico Zorra Total, especificamente o trabalho do ator Rodrigo Sant’Anna, que interpretava Adelaide, uma mulher negra e pobre, que circulava pelo corredor do metrô com seu “tablet”, pedindo “50 centarru, 25 centarru, dez centarru” aos passageiros. O programa foi denunciado à Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. A alegação foi de que o personagem apresentava “estereótipos racistas”. As acusações foram levadas à 19ª Promotoria de Investigação Penal, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Antes de tirar o quadro do ar, a Rede Globo afirmou em nota: “O humorístico ‘Zorra Total’ é notadamente uma obra de ficção, cuja criação artística está amparada na liberdade de expressão. A personagem Adelaide é uma brincadeira inspirada inclusive na avó de seu intérprete e criador”.

Em mais esse caso de promoção de racismo e desrespeito às religiões de matriz africana – alvos históricos da satanização por parte dos meios de comunicação, se percebe a fragilidade das leis de combate ao racismo e de defesa da cultura afrobrasileira. O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288), no capítulo VI – Dos Meios de Comunicação, em seu artigo 43 orienta (e só orienta – não obriga nem pune a inobservância da Lei! ): “A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País.” ( !!! )

Sempre bom lembrar que as redes de televisão existem em função de concessões públicas, e que como usuárias de um espaço público, deveriam promover uma cultura de paz e respeito a diversidade, além de garantir o direito a expressão dos grupos historicamente oprimidos, mas ao contrário, servem como espaço de propagação preconceitos, intolerância e violência religiosa, racial, e de gênero. A ideia de “liberdade de expressão” é argumento permanente para justificar manipulações e desvios de ética jornalística dos grandes meios de comunicação e a consequente manutenção de seu poderio. Nesse sentido, vale reforçar a importância da campanha nacional pela democratização dos meios de comunicação, que tem sido construída por diversos movimentos sociais em todo o país.

Voltando à comédia: Há limites? E o que determinaria esses limites? A aceitação do público? O volume das gargalhas? Até que ponto a emissão de uma opinião, disfarçada de piada, influencia o comportamento e/ou naturaliza/reforça paradigmas em uma sociedade tão marcada pelo racismo, pelo machismo, pela homofobia e pela divisão de classes?

Tantas perguntas… O documentário de Pedro Arantes – “O Riso dos Outros”, é também um bom provocador.

Em tempo: A Rede TV é alvo em processos por má conduta no uso de sua concessão, em denúncias contra o programa Teste de Fidelidade; por ter exibido entrevista com a jovem Eloá Cristina, que seria assassinada em sequestro; e por declaração contra ateus, proferida em programa de uma Igreja Evangélica.

*Colaborou com a sugestão da pauta o companheiro Guilherme Botelho Junior, dirigente da Pastoral Afro e militante histórico do Movimento Negro de São Paulo.

Fonte: Negro Belchior

+ sobre o tema

Mulheres em cargos de liderança ganham 78% do salário dos homens na mesma função

As mulheres ainda são minoria nos cargos de liderança...

‘O 25 de abril começou em África’

No cinquentenário da Revolução dos Cravos, é importante destacar as...

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

para lembrar

Juiz determina saída de Lula após 580 dias da prisão

Ministros decidiram que ninguém pode ser considerado culpado até...

Cortejo de maestro do Olodum é acompanhado por 4 mil

Fonte: Agência Estado - Foi enterrado no fim...

Candidatos a presidente terão que ter propostas para a questão racial, diz Hélio Santos da Oxfam

“Em 2022, o candidato que não tiver propostas, que...

Comissão apura denúncias de violações de direitos humanos no Pará

Fonte: Portal Amazonia - BELÉM - Parlamentares da Comissão...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na terça-feira que Portugal foi responsável por crimes cometidos durante a escravidão transatlântica e a era...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz um levantamento da cobertura vegetal na maior metrópole do Brasil e revela os contrastes entre...
-+=