Maioria Oprimida – Por: Louise Walmsley

Querida sociedade,

O mundo me lembra todos os dias que sou mulher, basta sair de casa. A diferença de tratamento de gênero é uma realidade que favorece apenas um lado e, por isso mesmo, para entender esta mensagem é preciso um mínimo de reflexão.

A maioria dos seus membros, cara sociedade, tem o hábito de repetir determinadas condutas pautadas apenas na tradicional aceitação de suas ações. Se determinados valores são perpetuados há tanto tempo, por que haveriam de estar errados?

Acontece que ao reproduzir determinadas atitudes, esses membros não se dão o trabalho de pensar um pouquinho antes de agir. É tão fácil repetir os comportamentos que vemos na televisão e receber aplausos por isso, não é mesmo? Qual seria então o sentido de perder tempo pensando sobre algo que já está dado?

Há quem diga que estes comportamentos são normais, ou até mesmo naturais. Só que, fala sério, sociedade, como pode ser natural que um mesmo lado seja sempre favorecido? Este é o mesmo lado que dita o que pode ou não ser feito e julga sem ser julgado. Ao outro, cabe silêncio, obediência, opressão, quando não, violência.

Então, eu te pergunto, minha querida sociedade, essa diferença de tratamento é baseada em quê? Qual o fundamento para que pessoas sejam tratadas de forma diferente de acordo com o gênero que lhes foi designado ao nascer?

Não é muito difícil prever do que estou falando, não é?

Eu gostaria de saber por que 90% das mulheres brasileiras já deixaram de fazer alguma coisa por medo de assédio e o mesmo não ocorre com os homens? Ainda no Brasil, por favor, me explique sociedade, qual o motivo para que as mulheres ganhem cerca de 70% do que os homens ganham, para fazer exatamente a mesma coisa? E as coisas não são exatamente melhores em outros países. Tenho curiosidade de entender a razão pela qual de 80% das funcionárias de alto escalão na França afirmam que são frequentemente discriminadas. Não é impressionante que 50% delas recebam apelidos sexistas e ainda tenham sido impedidas de ascender na carreira por um só motivo: pertencer ao sexo feminino?

Eu só consigo pensar em uma coisa. As pessoas que te habitam, sociedade, são extremamente sexistas¹. Elas dividem as pessoas de acordo com gêneros e agem como se merecêssemos coisas diferentes por pertencermos a categorias absolutamente diferentes. Só que este tratamento, penso, não tem justificativa alguma.

Pois aparentemente, sociedade, não há motivos para que eu seja assediada no transporte público, tampouco há motivos para que eu seja alvo de olhares reprobatórios quando estou dirigindo um carro. Também não vejo motivos para não receber a conta do garçom quando vou a um restaurante acompanhada. O que explica todas as baixarias que escuto de advogados ou padeiros quando ando na rua? O que explica o fim de carreiras e a morte social de mulheres que são publicamente julgadas por fazer sexo?

Você vai me desculpar, querida sociedade, mas toda essa diferença de tratamento me parece um tanto aleatória. Consolidada, infelizmente, mas toda essa violência não justificada não tem mais lugar de existir.

Por achar tudo isso sem sentido e descabido, eu e mais um montão de gente estamos questionando estes comportamentos. Ainda somos a minoria, mas tentamos nos desprender desta ideia pré-concebida que homens e mulheres merecem tratamentos diferentes.

Nesta luta, algumas pessoas dizem que estamos exagerando. Chegam a citar casos isolados de pessoas do sexo feminino que conseguiram ascender profissionalmente, apesar de pertencer ao sexo frágil. Dizem que hoje mulheres já saem de casa e trabalham, sendo assim, não deveríamos reclamar tanto. Estes comentários, no entanto, não respondem aos nossos questionamentos, como ainda visam à manutenção daqueles velhos privilégios.

Então, sociedade, deixa eu te pedir um favor. Vamos mostrar para essas pessoas que há, sim, muita violência contra as mulheres e que essa violência é totalmente infundada. Vamos fazer as pessoas pensarem um pouco?

Como algumas pessoas têm uma certa dificuldade em visualizar a condição de pessoas que estão em uma situação diferente da que estão acostumadas, vamos mostrar para elas como seria estar do outro lado da história?

Vídeo – ‘Maioria Oprimida’. Curta de Eléonore Pourriat (2010).

Então, diga-me, sociedade: este tratamento diferenciado é ou não completamente aleatório?

Eu que agradeço, sociedade, pela gentileza de me ouvir.

Referência

¹Sexismo – Conjunto de manifestações de comportamento discriminatório que favorece um sexo em detrimento do outro. Abrange todos os âmbitos da vida e das relações humanas. Desequilíbrio sexual do poder. Na sociedade patriarcal o sexismo se manifesta por meio da reprodução incessante dos estereótipos que inferiorizam a mulher, vinculando-a à sua natureza biológica e valorizando os mitos da menopausa, da maternidade, da perfeita dona de casa, destituindo-as da condição de seres culturais, campo no qual as diferenças biológicas homem-mulher deixam de existir. Fonte: Glossário nas áreas de cidadania e direitos humanos da Prefeitura de Vitória/ES.

Autora

Louise é estudante de mestrado e professora de francês. Nas horas vagas cultua Dionísio e outras divindades gregas.

Nota

No dia 13 de fevereiro, foi publicado no The Guardian um texto em que o autor aponta críticas a questões raciais, étnicas e classistas no curta: Feminism can save France from Islam: that’s the real message of Majorité Opprimée. Sabemos que a intenção do curta é denunciar o sexismo, porém, há outros preconceitos que precisam ser apontados.

 

Fonte: Blogueiras Feministas

 

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