Mulheres na política e críticas de sexismo – Por: Margaret Sullivan

Tradução de Jô Amado, edição de Leticia Nunes. Reprodução da coluna da ombudsman do New York Times, Margaret Sullivan [“On Campaign Trail, Missteps on Gender”, 22/2/2014]

A opinião de Katha Pollitt no Twitter foi dura. A escritora feminista disse: “The New York Times Magazine: Primeiro, Hillary, como uma bola careca gigante; agora, ‘Será que Wendy Davis pode ter tudo?’ Suficientemente sexista?”. [Nota da tradução: no original, “Can Wendy Davis Have It All?”. A pergunta é comumente usada para abordar o equilíbrio entre carreira e família na vida das mulheres.]

Ela se referia a duas recentes matérias de capa da revista do New York Times sobre mulheres na política:uma, em janeiro, sobre Hillary Rodham Clinton; a outra, no final de semana passado, sobre Wendy Davis, senadora pelo estado do Texas e estrela em ascensão do Partido Democrata, atualmente candidata a governadora.

Ambos os artigos receberam críticas por questões de gênero. Na edição de semana passada da New Republic, Rebecca Traister foi incisiva, escrevendo: “Não há relato algum sobre sucesso profissional feminino que não adicione informações sobre o esforço pessoal e familiar; não há admiração que não venha imediatamente acompanhada da pergunta: Como é que ela consegue? Não. Por favor… Como é que ela consegue?”.

Os leitores do Times também foram críticos. Jeanne Pitz, de Leola, Dakota do Sul, escreveu: “Desculpem-me, mas a matéria de capa que fizeram sobre Hillary Clinton como um planeta já tinha sido suficientemente ruim. Desta vez vocês usaram uma fotografia enorme, desabonadora, de Wendy Davis, do Texas, com o comentário idiota: será que ela pode ter tudo? As mulheres se sentem ofendidas porque vocês nunca perguntariam isso a um candidato masculino”.

Políticos homens, vida sem detalhes

As críticas me levam a refletir sobre por que o tratamento de uma mulher na política muitas vezes parece tão difícil de acertar, principalmente quando se acrescentam à apresentação do artigo ilustrações, fotografias e títulos. Em ambos os casos [da revista do New York Times], algum tipo de crítica era justificável. Não achei a ilustração da matéria de capa sobre Hillary Clinton sexista, e, sim, simplesmente bizarra, sem a execução sofisticada que se espera da New York Times Magazine. O artigo de Amy Chozick, que ela acompanhava, era uma ideia interessante, explorando todas as conexões do universo no “Planeta Hillary”.

O artigo sobre Wendy Davis apresenta uma questão diferente e mais séria: quando um artigo se dispõe a examinar o preconceito de gênero, como é que ele pode evitar que esse preconceito se perpetue ao longo do texto? Apesar dos esforços bem-intencionados, este texto consegue tropeçar num critério duplo quando examina a biografia de Wendy Davis, inclusive seu papel de cuidar de suas filhas.

Para muitas mulheres, essa conjuntura implacável atinge em cheio e machuca. Levamos a coisa em termos pessoais e por uma boa razão: em nossa sociedade, não há defeito mais nocivo do que ser considerada omissa no quesito boa mãe – e não há êxito profissional que a salve. Começando a experiência do leitor com o título antiquado (“Será que ela pode ter tudo?”) não ajudou, nem o subtítulo: “Uma história de ambição, maternidade e criação de mitos políticos do tamanho do Texas”, que quase sugere que Wendy Davis está tecendo uma grande mentira. Juntos, título e subtítulo congelam o texto que se segue. Uma descrição no segundo parágrafo do “vestido preto, justo, e saltos altos” e seu meio sorriso onipresente pouco fazem para aliviar as suspeitas do leitor.

Lauren Kern, subeditora da revista, explicou que o título utilizou propositalmente “uma frase carregada” para indicar que o foco da matéria seria na política de gêneros. “Perguntamos se Wendy Davis poderia ‘ter tudo’ em parte porque seus críticos estão dizendo que não. Ela não pode fazer uma opção difícil – que muitas mulheres e homens têm que fazer –, de priorizar temporariamente a educação ou a carreira em relação à família sem que posteriormente seja criticada. Ela não pode pintar um quadro de sua vida sem detalhes especificamente para a campanha, embora seja isso que os políticos masculinos fazem desde o início dos tempos.”

Mãe adolescente e solteira

O artigo inclui passagens dedicadas a temas como quanto tempo precisamente Wendy Davis passou com suas filhas (que viviam no Texas, com o pai e a avó) enquanto fazia Faculdade de Direito em Harvard. E eu quero dizer precisamente. Ela descreve a rotina de deslocamento como 10 dias na faculdade e cinco em casa. Entrando em minúcias, o autor, Robert Draper, escreveu: “Sua filha Amber tem lembranças diferentes. Disse-me que sua mãe ‘vinha de avião a cada duas semanas para ficar conosco’ por ‘um fim de semana prolongado’”.

Nada de surpreendente, portanto, que ele escreva, sobre sua entrevista, que “seu calor humano desaparecera nitidamente” ou que ela achava “um tanto absurdo que passássemos tanto tempo vasculhando detalhes de minha biografia” (Wendy Davis não quis dar uma entrevista para esta coluna).

Ao explorar estas questões, tive uma troca de e-mails com Draper, colaborador frequente da New YorkTimes Magazine que escreveu, em 2010, uma matéria de capa sobre Sarah Palin. A reação era previsível, disse ele. Desde o início, todos os aspectos da matéria sobre Wendy Davis eram “abundantes em considerações específicas de gênero”. “Nada de surpreendente, portanto, que meu artigo tenha sido em grande parte lido pelas mesmas lentes”.

Ele disse-me que não era sua intenção original mergulhar tão profundamente em detalhes biográficos. Mas teve que fazê-lo depois que o jornal Dallas Morning News publicou um artigo destacando divergências na história de vida que constava na campanha de Wendy – como disse Robert Draper, “de como uma mãe adolescente e solteira, por seus próprios esforços, saiu de um estacionamento de trailers em Fort Worth para se formar, cum laude, na Faculdade de Direito de Harvard”.

Critérios duplos

“Senti-me no dever de examinar a história como constava em sua campanha, pois, como a própria Wendy Davis reconheceu, a versão original continha imprecisões. Mas, mesmo quando o fiz, estava profundamente consciente da especificidade de gênero desse tipo de busca.” Robert Draper também notou que as críticas ao seu texto vieram de todas as direções: alguns conservadores acusaram-no de ser generoso demais com Wendy Davis, dando-lhe passe livre – do jeito que entendem – porque é uma mulher.

O artigo propriamente dito é muito elogiável: uma escrita envolvente, por meio da reportagem, e umacompreensão de um texano nativo do assunto em questão. Em sua maior parte, ele se orienta de maneira inteligente e perceptiva entre as questões de gênero, mas, quando trata em separado, e insistentemente, a história de Wendy Davis como mulher, desvia-se dos objetivos. A diligência devida de uma reportagem é uma coisa; reforçar um padrão sexista é outra bastante diferente.

Não tenho certeza de qual será a próxima matéria importante do Times sobre uma mulher na política. Mas espero que não só evite estranhas descrições planetárias e aforismos da década de 70, como também fique acima de padrões de gênero baseados em critérios duplos, deixando-os onde devem estar: na lata de lixo da história.

 

 

Fonte: Observatório da Imprensa

 

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