Abraão Macedo – O “Problema” do Afrodescendente, no Brasil?

Por: Abraão Macedo

 

“… O que eu acho notável é que, nas atitudes individuais dos Negros com outras raças, há uma diferença de abordagem. Negros não são racistas. Negros não têm medo de contatos étnicos. Brancos Sim! Eu acho que em grande medida, o racismo se origina deste medo. Seria uma característica herdada da vida nômade dos arianos primitivos? Eu não sei. È um instinto Biológico ou de outra natureza? Eu também não sei!”

Cheik Anta Diop – Cientista e Historiador Africano

 

As questões Raciais no Brasil, sempre foram tratadas, como um problema do negro, ou mais especificadamente, dos afrodescendente. Desde o dia 14 de maio de 1888, com a tão contestada abolição da escravatura, o país mergulhou num poço de desigualdade racial e, por conseguinte, social, pois como escravos os negros tinham terra, trabalho, e chibata, mais com o advento da malfadada liberdade, passamos a ter só a chibata e a cadeia por “crimes de vadiagem”.

A exigência da Boa Aparência passou a ser em tempos contemporâneos, a forma mais sutil de racismo, pois segundo dados do DIEESE/2003 os homens não negros, em Salvador que é a capital mais negra do mundo fora da África, tem o dobro dos rendimentos médio mensal de um homem negro, já entre as mulheres o quadro é ainda mais estarrecedor, pois o ganho de um homem não negro equivale ao rendimento médio mensal, de quase quatro mulheres negras.

Some-se a isso o valoroso “incentivo de progressão racial” dado pela mídia televisiva ao crescimento do afrodescendente, sempre o colocando em situações ou posições desfavoráveis e de rebaixamento, haja vista que a grande parcela da população assiste a TV, e mais propriamente a telenovelas. Escravo, empregada doméstica, gari, segurança, ladrão ou corrupto, são só alguns exemplos das personagens associadas, a grande população afro-brasileira como exemplos de ser, fazer ou estar.

Segundo o Prof. Dr. Hélio Santos, em seu livro: A Busca de um novo caminho para o Brasil, “a não-isenção da sociedade Brasileira é a insensatez doentia, que impede a decodificação de uma cultura do desenvolvimento com eqüidade e igualdade”.

Mas se contestados, os meios de comunicação são sempre isentos de qualquer forma de discriminação, mais uma prova de que o racismo e a desigualdade, nunca foram tratados como uma problemática da sociedade brasileira e sim sempre do Negro.

Hoje observamos o constante crescimento dos índices de violência, e as inserções na mídia televisiva dos ditos “bandidos”, que espantosamente são em sua maioria, negros descendentes, jovens, de baixa escolaridade, e sem nenhuma perspectiva de futuro, com um tratamento dado pela imprensa sensacionalista e discriminatória, que usa seus jargões racistas e gargalha, da situação desesperadora, em que os tais se encontram, por outro lado se o indivíduo é branco, usa terno e gravata e tem nível superior, se torna automaticamente “suspeito”, com direito a ser ouvido em liberdade, tem o direito de não serem humilhados, e amparados pelos seus exércitos jurídicos, fazem a Corte Suprema de um país mergulhar-se num embate digno de filosofia jurídica, sobre o uso ou não das desonrosas algemas, sob a alcunha do constrangimento.

A mesma pergunta deveria ser feita aos jovens negros, e sem expectativa de vida se as celas fétidas e superlotadas, das carceragens brasileiras causam constrangimentos e humilhações. Talvez fazendo a mesma pergunta o discurso das autoridades jurídicas passariam da demagogia barata para a simples e espontânea verdade que tanto ansiamos.

Compartilhando ainda das idéias e ideais do Prof Dr. Helio Santos o apartheid no Brasil, se mantém precisamente por ser uma realidade do tipo que é,… As mazelas sociais recaem sempre sobre a mesma maioria, maioria essa que todos fingem não ver. (grifo nosso)

A maior população carcerária, o maior índice de analfabetismo, os piores índices de qualidade de vida e moradia, os maiores índices de genocídio segundo as estatísticas da SSP BA, sim senhoras e senhores conceituamos por genocídio, pois se trata de desgraçadamente do extermínio não declarado de uma raça, com faixa etária e sexo bastante definidos. Sem falar nos maiores índices de desempregados, de empregados informais e de subempregos. E ainda temos que agüentar, os protestos e processos contra as ações afirmativas, pois segundo os racistas não precisamos de cotas, nem de nada que venha nos reparar, num país com tais estatísticas escancaradas. O IBGE, não existe, o DIEESE, não existe, a PNAD também não existe e os dados apresentados são irreais e ou fictícios.

Os problemas e as questões raciais nunca foram um problema só do negro no Brasil, mas sim um problema estrutural da sociedade brasileira para este projeto de nação. Assim como a violência não é um problema só da população baiana, para que uma desastrosa campanha publicitária, intitulada “Vá na Paz” descarregue sob os nossos ombros toda a responsabilidade, pela paz uma vez que a paz se faz com educação, com uma escola gratuita e de boa qualidade, saúde sem termos que ver a cada dia pessoas morrendo na fila do SUS, e lazer para que os cidadãos possam diminuir os stress do dia a dia, há ainda outros atributos para a conquista da paz, mas por hora nos ateremos a somente estes por considerarmos essenciais. Isso sem falar no racismo ambiental, presente cada dia mais vivo e mais forte no espaço urbanos, pois o que se vê na Graça, não se vê em Cosme de Farias. O que se vê no Morumbi ou nos Jardins não se vê no Jardim Ângela . Pois, interesses financeiros são sempre mais importantes do que o real prejuízo a população. A determinada negra população, os financeiramente pobres , tem suas terras, suas casas, e suas vidas devastadas ou destratadas por estes que são os supostos donos, até do meio-ambiente. Negros e pobres estão totalmente ameaçados pela excludente especulação imobiliária, que cresce cada dia mais, pois os empresários estão de olho nas áreas ocupadas pelos templos de religião de matriz africana, coincidentemente, essas áreas encontram-se em regiões urbanas bastante arborizadas, já que um dos principais fundamentos da religião afro é a natureza, o seu respeito, e a sã convivência harmoniosa com a mesma.

As garras do racismo imperam em todos os âmbitos, e até na saúde, pois hoje ainda não há, em nenhuma das esferas governamentais, um projeto em andamento, especializado em doenças que atingem em sua maioria a população afro-descendente, como a hipertensão arterial, herdada basicamente maus hábitos a alimentares, a diabetes por uma questão sócio-cultural, o AVC, acidente vascular cerebral, pois já é cientificamente comprovado que os que sofrem mais desta patologia são os indivíduos da raça negra, assim como também a anemia falciforme e enfarto do miocárdio.

Mas especificadamente a anemia falciforme, ainda encontra na Bahia um ponto de apoio que é a ABADEFAL, Associação Baiana dos Portadores de Anemia Falciforme, entidade que ajuda e instrui a este tipo de paciente.

Vemos ainda todos os dias, um tratamento desumano, nas instituições publicas para com os cidadãos, filas quilométricas, burocracia generalizada, falta de informações precisas, a fim de solucionar as necessidades de quem as solicita caracterizando obviamente o racismo institucional, pois quem está na ponta da fila nada mais é do que a grande população marginalizada, e excluída; A situação complica-se, mas ainda quando o individuo é afro-descendente ou negro-descendente, pois é algo que já está infelizmente intrínseco nas instituições.

As indissiocrasias observadas nos servidores no ato do contato direto com o cidadão cliente, demonstram tal prática. É tão caótica a situação da sociedade brasileira para com o negro que tal cidadão é severamente discriminado até na sua religião, ou na que deseja praticar haja vista os constantes atos de intolerância religiosa, praticados na capital Baiana. Podemos citar só alguns deles como invasão dos templos, derrubada das casas de Candomblé, ofensas morais aos sacerdotes e sacerdotisas, associando-os a tudo que é ruim imoral ou desonesto. As práticas sagradas e as religiões de matriz africana são hoje utilizadas por uma determinada facção neo-pentecostal,visando pura e unicamente a desmoralização de uma religião genuinamente brasileira e ancestral. O lucro voraz dessa linha doutrinária neopentecostal, é sem limites, nem escrúpulos, nomeiam os mestres e maestrinas do culto afro, de encostos, demonizam o que não conhecem, e mesmo ameaçados por uma lei judicial que condena a intolerância religiosa. Vemos que o Negro não tem nem o direito de cultuar, as suas raízes;

Alguns ainda poderão falar, mas e a lei 10. 639/03 e a 11.645? Que institui o ensino da história verdadeira da áfrica e dos negros na formação dos estudantes? Sim é uma grande conquista, mas estamos no Brasil, esqueceram? A lei não é aplicada com eficácia e as secretarias de educação, municipais e estaduais ainda engatiam na didática, da aplicação da lei, e na sua praticidade.

Oxalá que consigam aplica-la de fato o mais rápido possível, a comunidade negra exige respeito e urge por reconhecimento das suas origens. Afinal há mais sangue e suor nosso, no solo desta nação, do que imigram, os racistas imbecis. Aliás nunca se pensou em recompensar os negros, pelas suas valorosas contribuições, na construção e estruturação da Nação Brasileira,já que fomos nós que preparamos e confeitarmos este grande bolo, só não recebemos até hoje o nosso pedaço. Muito timidamente, depois de roucos ficarem, os militantes do movimento negro, vemos algo sendo feito pelos remanescentes, quilombolas, mas ainda é pouquíssimo para aqueles que são o fundamento do país.

Não queremos esmolas não, nem queremos misericórdia, o que queremos é que é nosso, por direito e herança justa, pois até quando ficando nos organizamos, para tentar conseguir, algo, esbarramos na demagogia, na burocracia e no clientelismo branco. É só observar entidades como a Anceabra (Associação Nacional do Coletivo de Empresários Afro-Brasileiros), que não tem recurso algum, mais ainda sim,consegue arvorar a bandeira do afro-empreededorismo no Brasil,as duras penas fomentado no empresariado negro a necessidade de crescimento e independência financeira.Pois sem recurso não temos emprego e sem emprego o negro não vive em paz.Mandamos aqui um sinal de despertai!, Para o SEBRAE, BNDES, e BNB, já passou do momento de termos uma linha de crédito exclusiva, para os afro-empreendedores. Os negros precisam de oportunidades e não de favores, para gerar emprego e renda para nossa gente.O já cogitado fundo da reparação seria uma importante alternativa também, para fomentar desenvolvimento sustentável para a raça negra. Reparação é isso, é redividir o lucro, o bolo tem que sair da sala e ir para a cozinha também. Queremos fazer menção também do trabalho de formiguinha, da Secretaria Municipal da Reparação, que vale salientar, com poucos recursos desempenha a função com excelência, de secretaria própositiva de soluções para as problemáticas relações raciais na cidade do Salvador.

Nota-se as posturas e ações dos seminários sobre direitos e deveres humanos e violência, Paternidade responsável e o cuidado e respeito exemplar, nas questões do Terreiro da Casa Branca, caminhado para um entendimento com o Fisco Municipal e com o terreiro Onipó Neto no ressarcimento de um equivoco, da atual administração. Faz-se o que se pode, e o que nunca fizeram, em um espaço temporal tal efêmero.

O Doutor Carlos Moore sintetiza o porquê do racismo no Brasil, descrevendo que “o racista se beneficia do racismo em todos os sentidos: econômico, político, social, militar e psicológico, e o processo de mera conversão moral são insensatos em sua pregação, tratando-se mais do acesso aos recursos da sociedade, em função da raça”.

“A humanidade não tem outra opção se não a luta permanente e multifacetada contra o racismo; Faz-se necessária a luta em escala planetária.”

Assim nos resta cantar e lutar, mas cantar um cântico de raça e de vitória, do poeta negro Jauperi: Reflexos de um novo dia, nova geração, a construir um mundo belo de sonho, nossa libertação, Raça, Negra raça, Raça…


 

Teólogo

Pr. Min. Evangélico Amor em Cristo

Consultor de Projetos e Programas da Anceabra (Associação Nacional do Coletivo de Empresários e Empreendedores Afrodescendentes)

Filiado á CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras

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