Ameaças e violência têm transformado minha vida em uma grande tensão

Dentro da faculdade em que estudo, recebi por meses bilhetes de assédio e sofri uma tentativa de estupro. O agressor segue impune e desconhecido, mas eu não vou baixar a cabeça.

Do AzMina

Quem senta no Divã de hoje é a Luisa Cruz.

screvo esse texto para expor a perseguição que venho sofrendo, para explicitar como a vida de nós mulheres é marcada fortemente pela violência e para deixar nítido como diariamente resistimos aos ataques de uma sociedade machista. Ano passado vivi sob constante tensão: de março a agosto de 2014 recebi bilhetes anônimos com conteúdo de assédio – ora em minha mochila, ora em meu carro – enquanto estava na Faculdade de Geografia da USP. Esses diversos bilhetes deixavam claro que eu não estava segura no ambiente universitário. Faziam afirmações como “você ainda vai ser minha” ou “você é a mulher mais linda dessa universidade”.

Sabemos que nós mulheres somos oprimidas de diversas maneiras. A partir de 2014, essa opressão aconteceu comigo de novas formas e sob novos aspectos: enquanto esses avisos são considerados por alguns como “elogios” eu, como mulher, percebia que, assim como uma cantada na rua ou um assédio em qualquer parte, eram uma questão de poder, uma tentativa de intimidação.

Passei a mudar a minha rotina e buscar a qualquer custo me proteger, quando em oito de agosto de 2014, sofri uma violenta tentativa de estupro.

Nesse dia fui até o Prédio de Geografia para encontrar alguns amigos, mas apenas passei de carro pelo estacionamento, já que percebi que eles ainda não haviam chegado. Desse modo, fui até o Prédio da Arquitetura (FAU-USP) para comprar um caderno. Enquanto me encaminhava para a papelaria da FAU, percebi que havia esquecido meu celular e fui até o carro para buscá-lo.

Eram quatro da tarde, estava claro e eu me encontrava em um ambiente conhecido. Nada disso impediu que eu fosse fisicamente dominada, tivesse a nuca segurada por um homem que forçou a minha entrada em meu próprio carro. Sobre o aviso de “eu te avisei”, ia tentando me desvencilhar enquanto o agressor tentava abrir o zíper de minha calça. Felizmente consegui acionar a buzina do carro com o meu joelho. O homem, acuado pelo barulho, bateu minha cabeça fortemente no banco do passageiro e fugiu sem que eu pudesse vê-lo.

A partir daí, em minha empreitada para me proteger, passei por algo tão comum às mulheres e que é tão penoso quanto a violência que sofremos: o descaso. A hipocrisia que afirma que a luta contra o machismo não é mais necessária é a mesma hipocrisia que fecha os olhos aos epidêmicos casos de estupro que assolam a nossa sociedade. Realizei um Boletim de Ocorrência, relatei publicamente o que sofri, busquei ajuda e proteção da Universidade. Nenhuma medida efetiva foi tomada.

De agosto de 2014 até outubro desse ano poderia falar que nada aconteceu, que nenhum bilhete mais foi recebido, que não sofri qualquer ameaça. Porém, apesar  de não encontrar mais em meu carro e em minha mochila conteúdo de assédio, minha vida continuava sendo marcada pelo fato de eu ser uma mulher e, justamente por isso, me encontrar em constante risco.

Para além das mazelas cotidianas que sofremos, imersas no frequente assédio na rua, nas tantas agressões domésticas sofridas por companheiras próximas, nos diversos casos de estupro de que ficamos sabendo, eu ainda me preocupava diariamente por não saber a identidade de meu agressor, por não saber se ele voltaria, por não me sentir de modo algum segura.

Em outubro desse ano minha insegurança foi confirmada. Encontrei em meu carro, após sair de uma aula, um bilhete que dizia “enquanto estiver aqui, estarei”. Novamente mudei minha rotina, novamente procurei ajuda. Uma semana depois, durante uma aula, meu celular me notificou da chegada de um novo e-mail enviado pela minha própria conta. Foi quando percebi que tive minhas informações hackeadas. Nesse e-mail o agressor me ameaçava, dizia ter conhecimento sobre meu endereço e outros dados pessoais, afirmava não ser a mesma pessoa que me perseguiu ano passado e recriminava meu envolvimento com outras mulheres da USP que já sofreram violência, dizendo que eu “acobertava vagabundas”.

Um novo Boletim de Ocorrência foi registrado. Novas medidas de segurança foram tomadas. A Universidade foi, uma vez mais, informada e requisitada para me ajudar. No entanto, mesmo me abrigando na casa de conhecidos, recebi uma nova ameaça no último domingo, dessa vez através de um bilhete encontrado na caixa de correio do lugar em que estava. Um terceiro Boletim de Ocorrência foi feito e sigo buscando formas de me proteger e de publicizar a violência que estou sofrendo.

Leia Também: PLP 2.0 – Aplicativo para coibir a violência contra a mulher

Do terror a que, como mulher, estou sendo submetida tenho encontrado uma força gigantesca; tanto em mim quanto em mulheres companheiras que reafirmaram completamente o sentido de sororidade. É por esse motivo que venho a público afirmar que nós mulheres mesmo sofrendo assédio desde nossas infâncias, mesmo andando em zigue zague nas ruas para evitar as intimidações cotidianas, mesmo sendo ultra-sexualizadas, corporalmente oprimidas e tendo nossos intelectos ridicularizados, resistimos.

Sigo na certeza de que juntas buscaremos soluções tanto para o caso de violência de que hoje sou vítima, quanto para o de tantas outras mulheres que são perseguidas e silenciadas. Nenhum passo atrás será dado. Nossas cabeças seguem erguidas e sãs.

A violência que sofro agora é fruto da mesma opressão que sofri toda minha vida e contra ela sei resistir e lutar. Há que se falar sobre machismo, há que se falar sobre opressão à mulher. Saiamos da esfera do silêncio. É preciso dizer a verdade incômoda que está presente em nossas vidas todos os dias: ser mulher na nossa sociedade é resistir à violência constante. Contra isso lutamos, contra isso não nos calamos. Pelo fim da opressão à mulher, pela retomada de minha vida normal, hoje e sempre resisto.

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