Um dos grandes prazeres de uma Copa do Mundo, além do espetáculo futebolístico internacional, é reviver histórias de outros craques e Mundiais. A Copa também é escola. Fico imaginando a quantidade de meninas e meninos que souberam da existência da Croácia, da Bósnia, e até da Costa do Marfim.
O Brasil é o país do futebol, mais ainda do que do Carnaval. Não vejo fanatismo carnavalesco nos sulistas, mas vejo eles pulando como loucos com um gol da seleção, ou chorando como crianças no último 7×1 contra nós. A bola verde-amarela nos irmana na alegria, tristeza, júbilo, decepção. Ela transforma em nação de iguais um dos países mais desiguais do mundo.
Muita gente pergunta qual será o legado deste Mundial de 2014. Difícil adivinhar o que ficará para o futuro. Mas percebo um legado para trás. Nunca se citou tanto, e com todo merecimento, Nelson Rodrigues – o inventivo escritor das crônicas esportivas. Também ganha holofote a Copa de 1950. Sessenta e quatro anos depois, atualizamos velhas narrativas.
A Copa de 50 é cheia de histórias mil. Desde a polêmica (e acertada) construção do estádio do Maracanã, o mítico gramado onde todas as seleções hoje querem jogar. Meu pai, então com 20 anos, viu a traumática final, quando o Uruguai derrotou o Brasil. Nascida cinco anos depois, ouvi a lembrança paterna por vezes enésimas.
Assim como pouco me recordo de ver jogar o Mané Garrincha (1933-1983). Mas Nelson, meu pai, Ruy Castro, o velho feirante e toda a literatura esportiva contam e recontam o que fez o anjo das pernas tortas. Ser craque de futebol tendo as pernas tortas também é uma metáfora do brasileiro.
Porque a gente não é muito técnico e nem retinho. Temos um certo pânico com planejamentos. Uma dificuldade amazônica com o cumprimento de metas e prazos. Só estudamos na véspera da prova. Entregamos projetos na última hora. Deixamos para amanhã o chato de hoje. Penamos para entender palavras como eficácia, longo prazo, legado. Sim, há algo de torto em nós!
Mas, igualzinho ao Mané, às vezes somos craques. Arranjamos alegria até no deserto. Acendemos velas no meio das águas. De repente, soluções criativas surgem para salvar a pátria. Mesmo que seja para salvá-la de nós mesmos. Para fazer tudo isso também é preciso talento.
Fonte: Yahoo