Ex-integrante do grupo “Os Tincoãs” viveu 20 anos em Angola
Todo ano, no mês de agosto, na histórica cidade de Cachoeira, no recôncavo baiano, acontece a Festa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, exuberância afrocatólica de culinária, vestimentas, tradição e sincretismo religioso.
Formada por mulheres entre 60 e 100 anos, a irmandade eterniza em seus rituais a independência conquistada em plena época de intensa importação de escravos para o recôncavo, há dois séculos.
Da mesma cidade e da mesma tradição de orgulho e ascendência africana vem Mateus Aleluia, 66 anos, que lança agora seu primeiro disco solo, “Cinco Sentidos”.
“A gente canta quando a pessoa nasce e quando parte, quando a pessoa casa e quando descasa”, afirma o músico.
“Somos filhos do canto e da dança: o povo africano revitaliza seus pés em contato com o chão”.
No começo dos anos 70, ao lado do parceiro Dadinho, Aleluia partiu de Cachoeira para o Rio de Janeiro para desenvolver carreira com o conjunto vocal Os Tincoãs. Em três discos e algum sucesso, o grupo adaptava temas do candomblé de complexidade rítmica e melódica, assimilando também a sofisticação barroca da cultura católica, em músicas como “Cordeiro de Nanã” (também gravada por João Gilberto).
“Está tudo misturado, por que vou querer separar?”, afirma, sobre a grandeza de elementos da música. “Esse processo está aqui há muitos anos, seria muita ousadia. O sincretismo é muito grande.”
TEMPORADA AFRICANA
Em dezembro de 1983, o grupo partiu para a África, e o que deveria ser uma visita breve se transformou em estadia permanente. “Quando chegamos a Angola, estava parecendo a Bahia de nossa época”, lembra Mateus.”Fomos ficando, ficando e ficamos”, afirma.
De volta ao Brasil em 2002, o músico envolveu-se em projetos ligados à cultura africana no país, até chegar ao primeiro disco solo.
“Tincoãs era uma identidade sendo mais gente, agora eu tinha que ser eu para ter uma personalidade”, diz.
“Todos temos um lado sacro e um lado profano, o santo e o humano. É importante entendermos quem somos, daí o título “Cinco Sentidos”. É um disco mais próximo de mim mesmo.”
(RONALDO EVANGELISTA)
CINCO SENTIDOS
ARTISTA Mateus Aleluia
GRAVADORA Garimpo Discos
QUANTO R$ 25
AVALIAÇÃO Ótimo
Fonte: Folha de S.Paulo