Barbosa: Vítima de um preconceito deplorável

Por Miguel Dias Pinheiro*

 

Questão polêmica no mundo inteiro é a relacionada com o preconceito e a discriminação. O problema é tão sério que no caso do Brasil fomos obrigados a conviver com duas legislações específicas para o caso. A primeira, de natureza didática, dispõe sobre o preconceito de raça ou de cor. A segunda, que veio em auxílio da primeira, estabelece os casos de injúria grave os crimes de preconceito, discriminação, impondo ao ofensor a pena de reclusão.

Na década de 90, o estrangeiro Siegfried Ellwanger publicou mensagens raciais e discriminatórias e semeou, na época, sentimentos de ódio, desprezo e preconceito. Quando vinha a público, usava atributos pejorativos comparados àqueles em que alguém chama outro de “negro” ou “branquela”, chegando a afirmar que “o Brasil é uma carniça monstruosa ao luar, com uma urubuzada que o devora”. Foi processado e condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja Corte entendeu que as agressões diziam respeito à dignidade dos cidadãos de um modo geral, que teria sido execrada pública e indistintamente.

Com as prisões dos mensaleiros José Dirceu e José Genoino, o Brasil assiste agora as mais grosseiras e variadas ofensas ao ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal. Todas recheadas de cunho racista, com uma agressão nítida ao direito de manifestação, da liberdade de opinar, criticar, discutir e propagar opiniões.

Abusam – claro! – de uma liberdade de manifestação ditada pelo texto constitucional, inspirada em Sócrates e na célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, quando se insurgem contra as posições do ministro de forma pejorativa, deixando evidente um sentimento de preconceito e de discriminação. Agridem, pois, o preceito constitucional de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, que, ofendido, pune-se a prática de qualquer “discriminação atentatória aos direitos e liberdades”, obrigando a todos que residem no país a promoverem o bem, “sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Queiram ou não, nosso povo hoje tem outra conscientização, haja vista que a ampla discussão em torno do problema do racismo, por exemplo, tomou contornos de repercussão geral.

O caso Joaquim Barbosa é um típico crime de racismo de interesse nacional. Vítima clara de um preconceito nojento, o imbróglio envolvendo petistas condenados, presos em Brasília, aflorou de forma grave uma aversão ao ministro, com suspeitas de que ainda é forte no Brasil o sentimento deplorável e repugnante de separar, de apartar e de segregar, o negro do branco, gerando a intolerância, o ódio e a aversão à cor da pele.

Definitivamente, em relação ao presidente do Supremo Tribunal Federal, estão a jogar na lata de lixo o espírito igualitário, deixando transparecer que a prática do preconceito e da discriminação é uma questão de mentalidade corrompida, cujas formas injuriosas descambam para a agressão rasteira e descabida.

Nossa “elite” nunca citou a cor da pele de Joaquim Barbosa quando o ministro defendeu cotas no STF, mesmo sob o argumento de que o comportamento daqueles contrários às cotas demonstraria um fanatismo perigoso e reacionário dessas pessoas. É óbvio que os racistas são contra cotas. Mas, isso não indica que ser contra cotas seja o mesmo do que ser contra negros. Muito pelo contrário!

Certa feita, como nos lembra Flávio Morgenstern, “uma menina falou em afogar nordestino que vota na Dilma, quase deu cadeia. Uma turma do PT diz que Barbosa não entra na Casa Grande, está tudo ok. Afinal, é pelo partido. E contra os velhos preconceitos da velha elite e da velha mídia. Afinal, se um negro estudou e entrou no STF, não é mérito dele (onde já se viu negro ter mérito?!), e, sim, do partido de Lula e de Dilma que o colocou lá (por ser negro?; e colocou o Dias Toffoli lá para quê? por ser branco?)”.

O que essa cambada desejava – e deseja – é que o competente Joaquim Barbosa deva – como devesse – ser subserviente e parcial a tudo que interessava – e interessa – ao Partido dos Trabalhadores. Sobretudo como juiz do STF nomeado por Lula. Muitos, por exemplo, só conseguem olhar para o ministro com um viés racista: “É um negro!” “Era da cota do Lula”. Como diz Morgenster, “os preconceituosos não conseguem enxergar seres humanos independentemente de cor de pele, considerando-se um deplorável racismo que um dos ministros acusadores seja sempre lembrado como “um negro” quando atacado”.

Qual a norma, então, está sendo aplicada por essa corja de racistas? A de propagar, claro, um camuflado tratamento racial igualitário, em que defendemos os negros, e por isso os negros devem nos obedecer e dizer “sim, senhor”. E, claro, os preconceituosos são… os outros! Mesmo que para isso valha pintar Joaquim Barbosa como um “cruel ditador africano”.

“Covarde! Negro alçado a ministro graças à Lula e aos ventos democráticos que se vende pra direita! Calhorda!” – agridem nas redes sociais de forma coordenada. Na dicção de Vladimir Aras, “esse pessoal que está cometendo injúria racial contra o ministro Joaquim Barbosa pode precisar de um habeas corpus do STF uma hora dessas. E com absoluta certeza não vão tratar o ministro como um juiz do Tribunal de Nuremberg”.

*advogado

Fonte: Portalaz

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