Cotas para negros em concurso público ficam para 2013

O projeto ainda está em análise no Ministério do Planejamento e não há definição de prazos e do percentual de vagas a serem reservadas

Por: Sarah Fernandes

São Paulo – A expectativa da ministra da Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, de que até o final deste ano já estivessem oficializadas as cotas para negros em concursos públicos federais, parece que não será concretizada. O órgão continua em negociação com o Ministério do Planejamento e ainda não há definições de prazos, percentual de vagas a serem reservadas, nem se a proposta tramitará via decreto presidencial ou projeto de lei.

É o que conta a diretora de políticas afirmativas da Seppir, Mônica Oliveira, em entrevista à RBA em comemoração ao Dia da Consciência Negra, lembrado em todo o país na terça-feira 20. “Ainda estamos em negociação com Ministério do Planejamento e não chegamos a um denominador comum. Por isso não foi para a presidenta. Como esse é um tema que não é fácil nós ainda estamos no diálogo. Mas ano que vem é possível. Algo há que acontecer”.

Na terça-feira (20) comemoramos o Dia da Consciência Negra. Por que a data é importante e o que ela representa para a sociedade brasileira?

O dia marca a morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, que resistiu por mais de 100 anos como um espaço de liberdade e vida coletiva entre brancos, negros e indígenas. Então, a data tem um significado histórico muito importante para a população negra brasileira, pois nós consideramos que Zumbi dos Palmares é o grande herói negro do Brasil.

Essa data também é importante porque, na história oficial brasileira, só recentemente nós temos visto esforços para recuperar a participação da população negra na construção do Brasil de forma positiva. Os negros sempre estiveram ausentes do registro oficial ou foram colocados num lugar de inferioridade. O Dia da Consciência Negra representa então a valorização da população negra e da sua participação na construção do Brasil.

É possível dizer que a data ganhou força nos últimos anos? Por quê?

Com certeza, principalmente nas últimas duas décadas. Desde que nós vivenciamos o centenário da abolição, em 1988, quando vários seguimentos da sociedade fizeram manifestações questionando a validade da abolição, porque concretamente o país viveu uma abolição que não mudou as condições de vida da população negra. Os negros, que antes eram escravos, foram colocados em liberdade, mas sem trabalho, sem educação, sem terra, sem nenhum tipo de política que favorecesse o seu desenvolvimento. Em 1995 houve a Marcha Zumbi dos Palmares pela Cidadania e pela Vida, promovida pelo Movimento Negro, que foi até Brasília apresentar uma pauta de reivindicações para o governo federal. Nos anos 1990, o Estado reconheceu internacionalmente que o Brasil é um país onde tem racismo e que isso determina desigualdades.

Nos últimos dez anos se destaca, por exemplo, a criação da Seppir. Pela primeira vez o país passa a ter um organismo federal para cuidar de promoção da igualdade racial. O 20 de Novembro vêm se fortalecendo porque no país esta se formando um conjunto de políticas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo.

Foi no ano de 2003 que o então presidente Lula sancionou a lei 10.639, que inclui história afrobrasileira e africana no currículo escolar. Por que essa medida foi importante?

Essa é uma medida fundamental para o resgate e a valorização da população negra na construção do Brasil. Ela inclui no calendário escolar o 20 de Novembro e outra datas significativas para a valorização da população negra.

De lá para cá, quais os principais avanços sociais que os negros tiveram no Brasil?

Podemos citar a criação da Seppir e a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. No início deste ano nós tivemos a aprovação pelo STF [Supremo Tribunal Federal] da constitucionalidade das ações afirmativas e mais recentemente a sanção da chamada Lei de Cotas, que institui reserva de 50% das vagas para egressos de escolas públicas e dentro deste percentual, 50% para população negra e indígena. 

E quais os principais desafios que persistem?

Nós ainda temos fortes desigualdades no país. As estatísticas de órgãos oficiais demonstram que a população negra está em situação de desvantagem. Ainda que a gente viva um momento de crescimento do país, ele não tem beneficiado de forma igualitária a população. As desigualdades permanecem. Nós temos dados como: 60% das mulheres que morrem por problemas na maternidade são negras, 75% dos jovens assassinados no país são negros e o fato de um jovem negro ter 135% mais chance de morrer de forma violenta que um branco, de acordo com o Mapa da Violência de 2011. Por isso, o principal desafio é superar as desigualdades com políticas efetivas. 

Outro desafio é a mudança de comportamento. O racismo é algo que está no cotidiano, mas ainda há uma resistência de as pessoas em assumirem isso. É preciso romper com o comportamento racista e isso requer uma mudança profunda, comportamental. A população não se assume como racista. Temos racismo, mas não temos racistas.

Em junho, a ministra Luiza Bairros concedeu uma entrevista à Rede Brasil Atual na qual informou que a Secretaria estava se reunindo com o Ministério do Planejamento para elaborar uma política de cotas em concursos públicos federais. Como está esse projeto?

Ainda estamos em negociação com Ministério do Planejamento e não chegamos a um denominador comum. Por isso ainda não foi para a presidenta. Como esse é um tema difícil, nós ainda estamos no diálogo. Não temos posição oficial sobre isso. 

Na entrevista a ministra afirmou que acreditava que a medida fosse aprovada ainda neste ano.

Acho que não dá para ser. Depois que passar pelo Planejamento provavelmente vai ter que ir para o Legislativo, porque a gente não sabe ainda se vai ser um Decreto Presidencial ou Projeto de Lei. Isso está em estudo nos setor jurídico do Planejamento. Há diferentes posicionamentos: há pessoas que dizem que vai precisar de um projeto de lei, há outras que dizem que só um decreto presidencial basta, porque o Estatuto da Igualdade Racial já prevê essa medida. Ainda está em discussão, também, qual o percentual de reserva de vagas a garantir seria mais adequado. Essa é uma negociação muito delicada.

Se não vai ser neste ano, podemos pensar para o ano que vem?

Não temos indicação de Prazo do Planejamento. Mas ano que vem é possível. Algo há que acontecer.

Em agosto a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei de Cotas, que reserva 50% das vagas de universidades federais para egressos de escola pública e, dentro desse total, um percentual para negros e indígenas. O que essa conquista representa para o país?

Ela pode significar um divisor de águas. Hoje o dado que temos de presença da população negra nas universidades [federais] é em torno de 14 mil estudantes. Com a lei de cotas sendo aplicada nossa expectativa é que saltaremos nos primeiros quatro anos para 50 mil estudantes negros

 A universidade vai abrigar de maneira mais efetiva a diversidade da sociedade brasileira e esses estudantes vão levar para a escola seus talentos, suas vivências e suas capacidades. Além disso, eles vão ter a possibilidade de atuar no mundo acadêmico. Assim, a universidade vai refletir em suas pesquisas a diversidade da sociedade brasileira e nós entendemos que ela trará riqueza, cultural e política. A convivência com o diferente é algo que impulsiona.

Acreditamos que as ações afirmativas representam a possibilidade de uma mudança estruturante no país e permitem que a população negra ocupe lugares mais valorizados no mercado de trabalho, que participe na produção de conhecimento, ciência, tecnologia e inovação. As cotas vão inserir os negros nesse mundo, que é o mundo do futuro.

Quais os próximos passos a partir de agora?

A lei estabelece que as universidades deverão, a cada ano, garantir 12,5% de vagas nos moldes estabelecidos pela lei. Então nos próximos quatro anos as universidades alcançarão o percentual de 50% das vagas para estudantes da escola pública, garantindo também reserva de vagas para a população negra e indígena. A previsão é que daqui a 10 anos se faça uma grande avaliação sobre os resultados dessa lei. 

 

 

Fonte: Rede Brasil Atual 

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