Blackface em Joinville

Mais uma vez temos nossas características ridicularizadas. Deformadas por grupos de pessoas brancas com o pensamento doentio de se divertir constrangendo a diferença do outro. Usando uma técnica antiga, de um racismo antigo, mas que ainda é incorporado por pessoas que não estão nem aí com o sofrimento alheio. Que contribuem para colocar mais um tijolo nessa construção histórica de estereótipos racistas. O caso a ser denunciado aconteceu nesse último sábado, dia 20 de junho de 2015, no Colégio dos Santos Anjos, onde uma professora se pintou e se fantasiou com uma caricatura difamatória de mulher negra. Causando risos e muitas fotos em redes sociais, como se estivessem diante de uma aberração. A ‘’Nega’’, como é chamada, é um retrato caricato de uma mulher negra, reforçando estereótipos criados pelo homem branco.

Por Diogo Conceição no Chuva Ácida

Técnica muito conhecida no mundo do teatro e do cinema como blackface, e que foi, durante muito tempo, utilizada, principalmente em países como os Estados Unidos para representar os negros, uma vez que os mesmos não tinham nenhum direito de ir e vir e, muito menos, de representar-se no teatro e no cinema. Essa ‘’caricatura” traz personagens altamente sexualizados, com linguajar esdrúxulo, ignorante e medíocre, tornando centro das atenções de maneira inconveniente e agressiva .

O que mais incomoda é a disseminação desse discurso de cunho racista sendo feito em um ambiente escolar, que se diz cristão, e que se orgulha dos seus valores serem a ética, a competência e a humanização. Mas que reproduz em seus funcionários sua visão de negros e negras diante de seus alunos numa confraternização. Escolas e professores não podem levar isso que alguns julgam como ‘’folclore’’ adiante. Incitando esse pensamento de que os negros são feitos para serem ridicularizados e usados pela sociedade. Tira-me o sono pensar que novas gerações estão tomando essa horrível e humilhante representação como verdade. Por terem professores despreparados para falar sobre o assunto.

Fica um questionamento para o Colégio dos Santos Anjos: quantos professores negros lecionam no colégio?

Talvez tenham zeladoras negras para limpar a sujeira. Seus alunos são, em grande maioria, brancos e de classe alta. Basta observarmos a entrada e saída das aulas. Podemos até observar com calma, uma vez que os pais dos alunos fazem questão de utilizar um corredor de ônibus – feito para toda a população da cidade – como estacionamento exclusivo para eles mesmos, mostrando seus carrões e ignorando os outros.

Será que após tudo isso eles conseguem ainda pensar nos outros? Será que estão mesmo seguindo os valores cristãos? O que será que Jesus Cristo falaria sobre isso?

Podemos imaginar

Mas uma certeza nós temos: os alunos são bombardeados, por meio do seu fornecedor de conhecimento, sobre a imagem do negro. É por meio da representatividade, da visibilidade que criamos, construímos e propagamos os nossos pensamentos. Um espaço que deveria ser de desconstrução de preconceito e de promoção da igualdade e da humanização, vem desempenhando o papel contrário, com um ar elitista e conservador.

Como acabar com o racismo assim? Com personagens que generalizam e são chamados de “Nega’’? Como construir um mundo melhor propagando os mesmos pensamentos racistas, humilhantes e arrogantes nessas escolas em que serão formados os novos profissionais da nossa cidade, do nosso país?

Há forças sim que querem acabar com a verdadeira identidade do negro. Aquela que milhares de pessoas lutaram e lutam, diariamente, para mostrar aos cegos da Casa Grande que a história nos privou de sermos considerados humanos. Podem dizer, em resposta a tudo isso, que foi apenas uma “brincadeira” que faz parte do “folclore”.

Sim, faz parte do folclore mulheres negras serem vistas como corpos sem almas, jovens negros como diabos que já nascem para fabricar o mal e homens sem cultura, como nos conta Monteiro Lobato que, certamente, o colégio deve fazer uso das obras racistas do escritor sem ao menos fazer uma análise crítica.

Faz parte do folclore mundial tratar os negros como segunda classe, como sub-raça. Faz parte, também, a negação da responsabilidade e do compromisso com as consequências que cada uma dessas ações podem provocar.

O apedrejamento de alguém da Umbanda ou do Candomblé, o genocídio da juventude negra, o descaso com os mais pobres, os abusos cometidos no Haiti, a discriminação com os haitianos que vieram para o Brasil… A culpa sempre é do outro, o difícil é assumir a parcela de culpa ao vestir-se para humilhar a etnia negra e saber reconhecer que esse ato pode e incentiva atos maiores e mais violentos.

A violência não se faz apenas com armas. A violência se faz com palavras, gestos, ideologias e representações. E, nesse caso, a violência feriu muito mais ao sabermos que foi praticada por uma professora, pois valorizamos muito essa classe que deve contribuir para a formação, mas não para a desinformação.

Esperamos uma autocrítica do Colégio dos Santos Anjos. Aguardaremos, esperançosos, um pedido de desculpas. Esperançosos, pois, sobre o corredor de ônibus, o discurso apresentado foi totalmente diferente dos ensinamentos de Jesus. Pedimos também que o debate sobre esse tema seja mais frequente e que os devidos cuidados sejam tomados para que isso não volte a acontecer. Não precisamos de mais casas grandes. Precisamos de mais pessoas sentindo empatia e valorizando o ser e não o ter.

Queremos ser representados sim, mas por vários de nós, verdadeiros, com características e traços negros. Não aturamos mais chacotas e chibatadas morais. Temos leis que punem quem ainda não se faz consciente e não está acompanhando a mudança para um mundo mais justo e igualitário.

Ubuntu!

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