Brasil é réu pela 1ª vez por impunidade em casos de violência policial

País vai ser julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Ninguém foi punido pelas chacinas que mataram 26 pessoas no Rio.

no G1

O Brasil está no banco dos réus por violação de direitos humanos. Entre 1994 e 1995, 26 pessoas morreram durante operações policiais no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. Até hoje, ninguém foi punido.

Por conta disso, o Brasil foi processado na OEA, a Organização dos Estados Americanos.
Agora, o país vai ser julgado, pela primeira vez, na Corte Interamericana por impunidade em casos de violência policial.

“Quando o telefone tocou, que veio a notícia que o meu irmão tinha falecido de forma brutal, não se faz isso com ser humano nenhum, aí começou o desespero na família, minha mãe passou mal”, conta Tereza de Cássia, irmã de uma das vítimas.

“Foi um massacre. Jogaram nossos familiares dentro de uma caçamba de lixo, meu irmão. É muito difícil”, diz Rosilene Nascimento.

“Foi tirado dele o direito de viver. Ele só tinha 17 anos. A Justiça não foi feita. Ninguém pagou pelo que foi feito, até hoje”, desabafa Mariana Neves.

Chacinas deixaram 26 mortos e ninguém foi condenado

A primeira chacina foi em outubro de 1994. A polícia fazia uma operação na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Houve confronto com bandidos. Três adolescentes sofreram abuso sexual e 13 pessoas morreram.

Em 2013, o Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou quatro policiais civis e dois militares que participaram da operação. A Justiça aceitou a denúncia, mas até hoje eles não foram julgados.

Em maio de 1995, seis meses depois da primeira chacina, outras 13 pessoas morreram em mais um confronto entre policiais e traficantes da favela Nova Brasília.

Os corpos tinham sinais de tiros dados a curta distância, o que segundo especialistas é característico de uma execução. Na época, não foi feita perícia nas armas dos policiais. Depois de 17 anos, o processo chegou ao Gaeco, Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público do Rio.

Foi feita uma análise das armas. Mas o Ministério Público não conseguiu identificar de onde vieram os tiros.

Inquérito foi arquivado

Por falta de provas, o inquérito foi arquivado no último dia 7 de maio. O crime prescreveu um dia depois. As famílias das vítimas não receberam qualquer indenização.

“O Estado não deu apoio nenhum”, diz João Moura, pai de uma das vítimas.

“O caso não é o dinheiro. Tudo bem, o dinheiro vai ajudar, mas o que adianta ter o dinheiro e não ter eles?”, questiona Rosilene Nascimento.

As ONGs Cejil, Centro pela Justiça e Direito Internacional e ISER, Instituto de Estudos da Religião levaram o caso até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que denunciou o governo brasileiro à corte de direitos humanos da OEA, Organização de Estados Americanos.

A corte aceitou a denúncia e, agora, o governo brasileiro é réu, pela primeira vez, por impunidade em casos de violência policial. As famílias e as ONG que fizeram a denúncia esperam não só o pagamento de indenizações como também uma mudança na postura dos policias que atuam em favelas.

“Os peticionários esperam que, primeiro, o Estado brasileiro, por uma questão de coerência, reconheça a sua responsabilidade internacional a respeito da impunidade nesses dois casos. A gente tem a expectativa que esse processo, acima de tudo, traga sobre a mesa uma discussão mais qualificada sobre a responsabilidade dos agentes públicos envolvidos em ações que podem ser crimes”, diz Beatriz Affonso, diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional do Brasil.

“Que a Justiça seja feita pra que não venha a acontecer de novo, porque desses 20 anos pra cá acontece diariamente. Quando que vai acabar? Quando que a uma família vai parar de chorar por ter perdido um familiar assim?”, pergunta Mariana Neves.

Governo vai ter dois meses para preparar defesa

A ONG Cejil, que denunciou o caso à OEA, tem até o dia 17 de agosto para apresentar a denúncia oficial, com perícia, provas, imagens e todas as informações contra o Estado brasileiro.

Depois que isso acontecer, o governo tem dois meses para apresentar uma defesa. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República disse que quando a Comissão Interamericana enviou o caso à corte, já tinha começado uma negociação entre o governo do Rio de Janeiro e as ONGs que entraram com esse processo.

A secretaria disse ainda que o governo do Rio se comprometeu a pagar indenização aos parentes das vítimas. O governo federal deve definir até o mês que vem os representantes que vão atuar no caso perante à Corte Interamericana.

A Polícia Civil disse que todos os homicídios causados por intervenção policial são investigados e que quando é comprovado que um policial não agiu em legítima defesa, ele é responsabilizado pelo crime.

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