A certeza de que da vida ninguém sairá vivo, poderia nos encorajar a ajustar as lentes com que enxergamos as coisas. Muita gente sabe, professa, escreve, conversa acerca da transitoriedade de tudo que no universo habita ou sonha. Inclusive, a transitoriedade do próprio universo. Mesmo nosso Planetinha – ora tão amado, ora tão maltratado – um dia, lá no muito longe, experimentará seu fim.
Alcançar a data de validade parece o destino dos iogurtes, aviões, cartas, pessoas. Até mesmo a onisciente e onipresente internet fechará suas conexões um dia. Para tudo sempre haverá um dia. O último. É claro que também podemos substituir o termo fim pela palavratransformação.
Quando, ao lado da minha irmã Lucíola, espalhei as cinzas do meu pai no mar de Itanhaém, senti a poesia de que elas se misturariam às algas, aos peixes, às poderosas correntes marinhas. Talvez, neste momento exato em que escrevo, as cinzas de papai estejam apanhado sol em alguma praia da África do Sul. Efeito transformação.
Aqueles lampiões de gás que iluminaram cidades no século XIX foram precursores, de alguma maneira, da luminosidade da tela do computador. Essa também abrirá caminho para alguma novidade que nem imaginamos. Nada permanece como é. As coisas, as ideias, os amores, os ódios transmudam. Não há nada que a gente possa fazer para deter os átomos no tempo.
Tudo é água de rio, tudo é onda no oceano. Mas entre o princípio e o fim tem o meio. A jornada de cada vida. O miolo dos nossos dias e anos. Aquele que apelidamos de tempo presente, vivo e carregado de rotinas e surpresas. Cheio até o teto de passado também. O relógio de nossa vida é tudo o que de fato temos. O tiquetaque da respiração. Então, por que não celebrar?
Margaridinhas no meio do capim indiferentes à arte de jardineiros. Textos no caderno escolar independentes de editoras. Música dentro do meu peito dispensando instrumentos musicais. Veio de graça o vento que agora acaricia meu cabelo. Tantas coisas ao nosso lado, sem ter sido compradas no shopping ou no supermercado.
Brindemos a tudo que não depende da carteira, do cartão de crédito. Brindemos à gratuidade que brota em muitas partes. Brindemos ao que nos torna perenes por um segundo. Por exemplo, margaridinhas no meio do capim, delicadezas, um olho no olho, aperto de mão, infinitos.
Fonte: Yahoo