Carta de Coimbra: Quando a ”branquitude” mata…

O ano de 2020 teve seu início marcado por um intenso debate sobre o racismo em Portugal. O assassinato de um estudante cabo-verdiano em Bragança, Luís Giovani, e a publicitação de filmagens que denunciavam a violência levada a cabo pela polícia a uma mulher negra – Cláudia Simões – no bairro popular chamado Amadora, foram mote de manifestações. As reivindicações encontraram ainda mais repercussão no ataque racista ao futebolista do FC Porto, Moussa Marega, que ao expor os ataques de cunho racial sofridos em campo mostrou que a questão continuaria a estar no centro das discussões. Em meio ao eco das manifestações mundiais que tomaram impulso com o assassinato de George Floyd nos EUA, no mês de julho em Portugal o racismo matou de novo. O homicídio premeditado que tirou a vida do ator de 39 anos, Bruno Condé por um homem de 80 anos após discussões banais e insultos raciais reavivaram o debate sobre como o racismo individual emerge com um viés patológico – produto de uma sociedade adoecida. Seja em comportamentos individuais, ou até nas instituições é possível identificar essa estrutura violenta e excludente características de sociedades capitalistas que se sustentam através da manutenção desse sistema.

No racismo institucional, a presença massiva de um único grupo étnico-racial nas instituições, estrutura desde os poderes judiciário, parlamentar – até as reitorias das universidades e grandes corporações aparelhadas com pessoas do grupo hegemônico. Na dimensão estrutural, as instituições racistas, são apenas um reflexo da sua sociedade, ou seja, as estruturas que sustentam a ordem jurídica, política e econômica validam a autopreservação da “branquitude”, bem como a manutenção de privilégios. Como resultado, as instituições acabam por externar violentamente o racismo de forma cotidiana, como lembra o jurista e filósofo Sílvio Almeida em seu livro Racismo Estrutural.

Na esfera ideológica, a representação do imaginário social sobre as identidades raciais pode ser observada na tentativa de manter o branco no lugar de líder nato e racional e as pessoas racializadas em condições subalternas. Essa primazia faz perceber que o racismo tem influência sobre as subjetividades nas relações sociais, e do ponto de vista da consciência e dos afetos, é capaz de validar quem merece, ou não, ser considerado sujeito. Nesse sentido, a luta para que a igualdade formal dos direitos civis se efetive em igualdade material para a classe trabalhadora racializada, é subvertida na busca pelo direito à vida. Os slogans “vidas negras importam”, “parem de nos matar” denunciam a luta pela própria condição humana.

Segundo o sociólogo estadunidense Du Bois, a ascensão do negro do ponto de vista econômico e do ponto de vista simbólico faz a classe trabalhadora precarizada não racializada também se sentir excluída, é como pensar com pesar: “não há ninguém pior que eu”. Aqui, a possível união e a solidariedade num reconhecimento das lutas comuns, foram subvertidas numa competitividade doentia e autodestrutiva, característica dos sistemas capitalistas. O processo que aliena e acarreta a falta de solidariedade e reconhecimento das lutas comuns entre sujeitos de uma mesma classe social, foi denominado por Du Bois como salário psicológico, onde a alienação faz com que mesmo que dois indivíduos estejam materialmente na mesma condição, a “branquitude” enquanto ideia faz com que o trabalhador branco se sinta superior pela simples condição de não ser negro. Nesse sentido, o salário psicológico nada mais é que a ilusão que faz com que classes sociais oprimidas não se reconheçam no sofrimento e violência impetrados a pessoas racializadas e se sintam superiores a elas.

A usurpação da cultura nesse processo tem um papel fundamental na docilização de corpos. A noção de superioridade, a imposição de uma cultura dominante em detrimento de outros grupos produz um processo de exotificação e inferiorização. Romper com as estruturas sociais opressoras passa pelo reconhecimento das armadilhas do capitalismo, suas estratégias e a tentativa constante de segregar e dividir a classe trabalhadora na busca por seus direitos comuns – mas, também pela garantia de mais direitos a quem historicamente tem sido retirado tudo.

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