Cidade de base espacial no Maranhão tem maior proporção de quilombolas do Brasil, diz Censo

Segundo dados do Censo 2022, quase 85% da população de Alcântara é quilombola

Quase 85% da população que vive na cidade de Alcântara, no Maranhão, é quilombola. É o que aponta o Censo 2022 divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quinta-feira (27). Essa é a maior proporção deste grupo em uma cidade brasileira.

Na sequência do ranking, aparecem Berilo (MG), com 58,4% de quilombolas entre a população local; e Cavalcante (GO), com 57,1%. Esta é a primeira vez que a pesquisa apura dados sobre essa parcela da população.

Considerando números absolutos, a liderança é da cidade de Senhor do Bonfim, localizada na região centro-norte da Bahia. Entre os 74.490 habitantes da cidade, 15.999 são quilombolas. Salvador, a capital baiana, aparece na sequência com 15,9 mil e Alcântara, é a terceira, com 15,6 mil quilombolas.

“Eu tenho muito orgulho. Foi esse povo que constituiu esse território. Precisamos de muita coisa, mas sinto orgulho”, afirma o quilombola Inaldo Faustino Silva Diniz, 63, morador de Alcântara.

Entre os estados, o Maranhão também tem a maior proporção de quilombolas, com 3,97% da população. Bahia com 2,81% e Amapá, com 1,71%, aparecem na sequência.

Os dados do Censo serão importantes para conseguir planejar melhor as políticas públicas que as comunidades reivindicam.

Inaldo cita como exemplo a anemia falciforme, que atinge mais a população negra. Segundo ele, conhecendo o tamanho da população quilombola, será possível melhorar a oferta de saúde pública. “Falta políticas estruturantes para o desenvolvimento das comunidades”, diz.

A origem de Alcântara remete ao começo do século 17, quando a região passou a ser ocupada por franceses. No período, indígenas tupinambás viviam no local.

Na metade do século 18, a região passou a receber um fluxo maior de escravizados africanos para trabalhar na agricultura. Foi nesse período que começaram a surgir os primeiros territórios quilombolas.

O historiador Flávio Gomes, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), considera que a concentração atual de quilombolas em determinadas regiões do país está associada a um processo de luta pela terra.

“Não acredito —em termos de história da escravidão e pós-emancipação— em concentração em áreas sul ou norte. Os quilombos foram e são partes das formas camponesas no passado da escravidão, atravessando os séculos 20 e 21 com os remanescentes”, diz.

Autor de diversos livros sobre o tema, ele avalia que a presença das comunidades quilombolas “nesta ou naquela região atualmente está mais relacionado a mobilização negra de luta pela terra e os seus movimentos contemporâneos”.

“Os quilombolas estiveram e estão em todas as partes agrárias e urbanas em algumas cidades”, afirma.

Após a abolição, os ex-escravizados passaram a ocupar territórios e ampliar os quilombos. Desde 2004, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) reconheceu a cidade de Alcântara como um patrimônio cultural e histórico.

Em abril deste ano, pela primeira vez, o Estado brasileiro decidiu pedir desculpas às populações quilombolas maranhenses por conta da construção da base de Alcântara. A mudança de postura foi oficializada durante julgamento na CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos).

Além do pedido público de desculpas feito pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, em nome do governo, o Estado anunciou, na ocasião, a formação de um grupo de trabalho para analisar a situação das comunidades da região.

O imbróglio sobre a construção da base dura mais de 40 anos e começou no fim dos anos 1970, com a ditadura militar.

O local foi escolhido porque a cidade está em um ponto próximo à linha do Equador, o que facilita o lançamento de foguetes. Para isso, porém, as diversas comunidades quilombolas que viviam na região foram remanejadas sem serem consultadas.

De acordo com dados da Justiça Global, 312 famílias quilombolas, de 32 povos, foram reassentadas de forma compulsória entre 1986 e 1988. Inaldo foi uma dessas pessoas.

Neste processo, os militares criaram as às chamadas agrovilas, que agrupam diferentes comunidades em uma mesma área, desconsiderando as diferenças culturais entre os povos. Além disso, esses locais foram feitos longe do litoral, apesar de grande parte dos quilombolas viverem da pesca.

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