Denuncia: A história oficial exclui os negros da construção do país – Cláudia Durans

Fonte: Kaosenlared –

Amparada em falsa crença na democracia racial brasileira,a história oficial nega a visibilidade do negro na construção do país,tratando heróis da luta pela liberdade como verdadeiros marginais.

 

A história oficial nega a visibilidade do negro na construção do país, tratando heróis da luta pela liberdade e dignidade do povo brasileiro como verdadeiros marginais. Amparada pela falsa crença na democracia racial brasileira, parte da sociedade finge desconhecer que, hoje como antes, os negros ocupam os piores postos de trabalho, recebem os menores salários, sobrevivem em favelas e periferias, lutam pela vida à mercê da política de extermínio imposta pelo Estado e enfrentam a criminalização sistemática de suas formas de luta e organização.

Para falar sobre esses e outros assuntos no Dia Nacional da Consciência Negra, o Informandes o­nline entrevistou a 3ª secretária do ANDES-SN e membro da coordenação do Grupo de Trabalho de Etnia, Gênero e Classe – GTEGC da entidade, Cláudia Alves Durans.

 

 

EntrevistaInformandes o­nline – Qual o real significado do dia 20/11?

 

Cláudia Durans – A história oficial brasileira tem negado a visibilidade do povo negro na construção do nosso país. Heróis como Zumbi, Negro Cosme, João Cândido e heroínas como Luiza Mahin, Maria Firmina dos Reis, entre outros, que lutaram pela liberdade e dignidade do povo negro, são ocultados ou mesmo tratados como marginais na história.

 

A força do movimento impôs, em 2003, através do Projeto de Lei nº 10.639, o Dia 20 de novembro como DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA, em reconhecimento ao líder do Quilombo dos Palmares, que morreu em combate nesse dia, no ano de 1695.

 

Zumbi liderou a experiência mais significativa de construção de uma sociabilidade que primava pela igualdade e liberdade, desafiando o sistema opressor escravista. Cerca de 20 mil pessoas viveram e resistiram por mais de um século em Palmares.

 

Zumbi é o símbolo da nossa resistência, da nossa luta. Um exemplo de dignidade e nos inspira na luta atual por liberdade, contra a opressão, a exploração e humilhação a que foi submetido o nosso povo.


O Brasil possui a segunda maior população negra do mundo. Como vive essa população no país?

CD – A população brasileira hoje é de cerca de 192 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE. Desse total, 6,3 se declaram negros e 43,2% “pardos”, ou seja, 49,5% são afro-descendentes. Esta população, após o fim da escravidão legal, não foi integrada ao novo sistema de produção como força de trabalho “livre”, com acesso pleno aos bens e serviços desenvolvidos no sistema urbano-industrial, que se desenvolveu principalmente a partir de 1930.

 

No decorrer do século XX e nesta primeira década do século XXI, os afro-descendentes sempre estiveram inseridos nos piores postos de trabalho, no trabalho informal, no desemprego (que hoje é por volta de 40% do desemprego total, entre negros e negras), e com menores salários. As mulheres negras representam o setor mais empobrecido da sociedade e as que mais sofrem com a violência doméstica.

 

Para a juventude negra está reservada a desesperança, a violência, a falta de acesso à educação. Dados do mapa da violência no Brasil denunciam que atualmente está ocorrendo um verdadeiro extermínio da juventude negra (e também indígena), com altas taxas de homicídios. No ultimo relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mostra que os maiores índices de pobreza estão na população negra e indígena. Além disso, em momentos de crise econômica, como o que estamos vivendo agora, são os primeiros a serem demitidos.

 

Como fica, então, o mito da democracia racial no Brasil? Existe preconceito no país?

CD – Sem dúvida. A estrutura capitalista colocou negras e negros nas posições sociais mais subalternas e humilhantes da sociedade e isso se refletiu na construção de padrões culturais e valores que imputam a negros e negras uma imagem negativa. Analiso o racismo como esse aproveitamento de diferenças e desigualdades, que são naturais, para submeter setores que as condições sociais, econômicas, políticas, culturais construídas historicamente que levaram ao racismo. E, o que é mais perverso, à “autonegação”.

 

A criminalização da pobreza e dos movimentos sociais é uma forma de manifestação desse preconceito?

CD – Sim. Hoje, apesar de vivermos num chamado “Estado Democrático de Direito”, a “questão social” é tratada como caso de polícia. Então, mediante a situação de miséria a que a população negra foi submetida, ao invés do investimento em políticas públicas voltadas para a educação, saúde, saneamento, habitação, lazer, esporte, trabalho que garantam melhores condições de vida, o que assistimos é a pobreza ser tratada como crime.

 

Seja nos morros do Rio de Janeiro, nas favelas de São Paulo, de Recife, Salvador ou São Luís, o que está presente é o braço armado do Estado, quando muito, políticas sociais compensatórias que deveriam ter caráter emergencial, mas que são tomadas como medidas permanentes que reiteram a subalternidade, a baixa auto-estima do nosso povo.

 

Como sabemos, quando o Estado não consegue manter a ordem pelo convencimento, recorre à repressão. E isto estamos observando na criminalização dos movimentos sociais combativos, que ousam enfrentar a ordem, exigir direitos e mobilizar e organizar essas populações empobrecidas. É importante dizer que nisto o governo Lula é tão competente que está exportando seu modelo repressivo para o Haiti.

 

Por outro lado, é importante alertar para o processo de cooptação, por parte do governo Lula, de lideranças do Movimento Negro, o que culminou recentemente com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, com apoio da bancada ruralista do Congresso Nacional, retirando bandeiras históricas do Movimento Negro, como a concessão de titulação de propriedade das terras dos remanescentes de quilombos. Além disso, governo Lula retirou o dispositivo que garantia a alocação de verbas direcionadas ao ensino de História da África na educação básica.


Qual é a posição do ANDES-SN sobre as políticas afirmativas, incluindo a questão das cotas nas universidades?

CD – O ANDES-SN defende a educação pública, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada. Mas, como um sindicato nacional dos docentes das instituições de ensino superior, estende suas preocupações para diversas áreas, buscando sempre estabelecer relações com os movimentos organizados da classe trabalhadora, da juventude dos camponeses e dos setores oprimidos e explorados.

 

No 26º Congresso realizado em Campina Grande foi reafirmada a política de ações afirmativas, já aprovada pelo Sindicato vinculada ao acesso e permanência, explicitando posicionamento contrário à política de cotas e denunciando as diferentes iniciativas de cooptação dos movimentos sociais, por parte dos governos, em torno desse tema.

 

No 28º realizado em Pelotas-RS foi aprovado pautar e votar novamente a temática para o 29º Congresso que ocorrerá em janeiro de 2010, em Belém do Pará. Foi aprovada ainda a realização um Seminário Nacional neste ano de 2009, que ocorrerá nos dias 11 e 12 de dezembro, na cidade de Salvador, na Bahia (UNEB). O seminário terá como conferencista da mesa de abertura o professor Kabegelê Munanga (USP).

 

E qual a posição da Conlutas em relação a esses temas?

CD – A CONLUTAS defende as Ações Afirmativas, as cotas raciais (e sociais), bem como assistência aos estudantes cotistas, como reparação do Estado ao povo negro por 3 séculos de escravidão, como política transitória. Especialmente neste momento em que a política de cotas está sendo duramente atacada e persistem os elevados índices de analfabetismo, baixa escolaridade e apenas 2,5 % de negros e negras cheguem ao ensino superior.

 

Cláudia Durans* – professora-adjunta do Departamento de Serviço Social da a UFMA e membro do Grupo de Estudos, Pesquisas e Debates sobre Movimento Social e Serviço Social. É Doutora em Serviço Social pela UFPE, mestra na mesma disciplina pela UFPB.

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