(Des)igualdade e as práticas sociais

JOSÉ EDUARDO DA SILVA

“Olha de novo: não existem brancos, não existem amarelos, não existem negros: somos todos arco-íris.”

(Ulisses Tavares)

Negros são 70% das vítimas de assassinatos no Brasil, segundo a pesquisa divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Há alguma forma de justificar este número tão alto? Seria a cor, condição social, escolaridade.

Quando garoto e até meus 20 e poucos anos, ouvi muito: “Preto parado é suspeito, correndo é ladrão!” E vi amigos serem assassinados por motivos insignificantes. Existe um fato, vivemos em uma cultura racista, alimentada por práticas racistas.

Em meu trabalho de conclusão de curso, na graduação em Serviço Social, tomei a liberdade de pesquisar, em diversos Dicionários, a explicação que eles davam às palavras preto e branco: “1 – Diz-se da cor mais escura entre todas: negro. 2 – Diz-se dos objetos que têm essa cor (a rigor, no sentido físico, o preto é a ausência de cor, como o branco é o conjunto de todas as cores). 3 – Diz-se das coisas que, embora não tenham essa cor, são mais escuras em relação às da mesma espécie. 4 – Pertencente à raça negra. 5 – Diz-se dessa raça. 6 – Escuro, sombrio. 7 – Em má situação; difícil, perigoso: A coisa está preta. 8 – Tip carregados. Indivíduo da raça negra. Escravo preto. A cor negra. Roupa negra. Real de cobre, moeda antiga. Escravo importado da Costa da Mina.

E sobre o significado de branco: “branco – adj (germ blank). 1 – Da cor do leite ou da neve; alvo, cândido. 2 – Claro: Vinho branco. 3 – Diz-se da raça caucásica. 4 – Que é dessa raça. 5 – Que tem cãs. 6 Pálido. 7 – Limpo. 8 – Que não tem nada escrito: Papel branco. 9 – Diz-se das armas de aço cortante e pontiagudo. 10 – Que não foi premiado (bilhete de loteria). 11 – poét Diz-se do verso solto ou não rimado. sm 1 – A cor do leite ou da neve. 2 – Matéria corante dessa cor. 3- Homem da raça caucásica. 4 – ant Patrão, senhor. 5 – Espaço livre deixado em uma escrita. 6 – Tip Distância maior que os espaços ordinários. Antôn (acepção 1): preto, negro;(Dicionário de Português Online Significado de “preto e branco”).

Ao ler,- e recomendo que você possa ler também -, compreendi, de onde vem esta ideia de que, “preto parado é suspeito, correndo é ladrão”. Logicamente não estou afirmando que vem do Dicionário, Afirmo que vem de uma cultura construída ao longo dos anos. O Dicionário é apenas um caminho que neste sentido, sugere vantagens a partir da cor da pele, assim, nascer com pele clara é vantagem no Brasil. Uma cultura que não permite ao negro ainda “sair das senzalas”, em função da cor de sua pele. Quanto mais escura a cor da pele, ou quanto mais clara, ou seja em alguns casos é escolher se quer ser menos ou mais aceito/a. E aí sim, passamos, por quase 400 anos de trabalho escravo, no Brasil, uma economia que gerou riquezas à base da força de trabalho de pessoas submetidas à escravidão em nossos País, na qual e ainda nos dias atuais, podemos afirmar que a cultura racista em uma sociedade capitalista atrasada, acredita-se dar lucro… e dá.

Quero afirmar, que nossa cultura, promove o racismo e as condições econômicas e sociais são fatores fundamentais para que as vítimas de assassinatos no Brasil sejam um número de negros superior a 70% segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Veja bem, são 39 mil negros assassinados, por ano, no Brasil, contra 16 mil indivíduos não negros, segundo o mesmo instituto.

Em nosso País, atualmente, e de há muito, ser negro significa pertencer a um grupo de risco. Já fui diversas vezes abordado pela polícia e, às vezes, na companhia de amigos brancos, apenas eu fui revistado. Mas esta realidade não se dá apenas na segurança pública, veja bem, é uma cultura. Minha mãe por exemplo, por diversos momentos, foi confundida como empregada doméstica na casa que é dela, onde mora. Não que não seja um trabalho descente, mas a única opção dada a seus interlocutores, é a do trabalho doméstico que está na raiz da cultura. A ideologia do branqueamento brasileiro, explica melhor estes fatos, mas poderemos tratar deste assunto em outro momento.

Não tenho nenhuma dúvida de que o Brasil precisa continuar aplicando a realização de políticas afirmativas, ou discriminação positiva em todos os campos. Para algo imensamente atrasado em uma economia capitalista como a nossa, afirmo com tranquilidade que a cultura racista promove prejuízos não somente às vítimas do fato, mas para a economia de todo Brasil.

O movimento negro brasileiro, ao longo dos anos vem denunciando o que muitos afirmaram ser apenas resultados da luta de classes no Brasil. E foi assim e nos qualificando, que conquistamos a criação de organismos de governo sólidos, com orçamentos definidos para promoverem o combate ao racismo por meio de políticas especificas. Assim conquistamos no governo federal, em 2003, a consolidação do Ministério da Igualdade Racial e conseqüentemente nos Estados e municípios brasileiros o fortalecimento da mesma política. Aqui em Goiânia, passamos por um longo período de lutas e persistência, durante três administrações, a começar por uma vitória do movimento negro, no ano de 2004, com a criação do Conselho Municipal da Igualdade Racial – (COMPIR). Antes deste fato, como resultado de conferências anteriores, a partir daí a institucionalização de leis, como o Decreto nº 2.064, de 6 de agosto de 2004, que criou o Programa Municipal de Combate ao Racismo e de Ações Afirmativas para Afro-descendentes do Município de Goiânia.

No entanto a falta de previsão de recursos orçamentários promoveu a criação de um ato jurídico importante mas, na prática, sem condições concretas de avanços. Conseguimos melhores resultados com as leis que trabalham a não discriminação no acesso ao emprego, em Goiânia, como o: Prêmio Milton Santos de Propaganda em Peças Publicitárias, que incentiva a contratação de artistas e modelos negros em peças produzidas em nossas agências. E o Selo Milton Gonçalves, destinado a instituições privadas ou públicas de nossa cidade que não discriminam na contratação negros/as, pessoas com deficiências, mulheres, ou a questão ainda polêmica, relacionada ao justo respeito a livre orientação sexual, sobre o acesso ao emprego. Questões que ainda deixam inúmeras pessoas de talento desempregadas, o que também é ruim para as empresas.

Ainda a realização anual da Placa Ação Afirmativa, como estratégia de ganhar a simpatia e o apoio da sociedade, na necessária transformação da pauta da igualdade racial como política de Estado. Ela presta homenagens a militantes negros e negras, e também pessoas ou instituições que apresentam ações contra a discriminação de negros/as por meio de ações afirmativas. E recentemente, no final de 2012, ainda na minha gestão, o prefeito Paulo Garcia, institucionalizou como política de Estado, o que falo com tranquilidade e orgulho, persistência nossa, a criação da Secretaria Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A criação a meu ver permite avançar do discurso, considerando a locação real de recursos públicos como já esta previsto para este ano de 2014.

Pelo menos 36.735 brasileiros entre 12 e 18 anos serão assassinados até 2016. Lamentáveis estes dados, mas reais. É importante dizer que esta questão se relaciona com a Segurança Pública. Vivemos um tempo de insegurança, incertezas ao sairmos às ruas. Segurança pública é um direito humano, que precisa ser sempre tratado como política pública de Estado. Os homicídios ocorridos e que vêm acontecendo, em Goiânia, contra pessoas em situação de rua, por exemplo, em sua maioria aconteceram com utilização de armas de fogo, as quais todos nós sabemos, que quem vive nessa situação, não tem condições sequer de comprar a munição utilizada. Ou seja, não é correto afirmar, a grosso modo, que a violência é meramente provocada entre eles. Em tempos recentes nunca vivemos com a mesma sensação. Não podemos esquecer as condições de trabalho oferecidas aos profissionais da Segurança Pública. O leitor já esteve em uma Delegacia de Polícia, aqui em Goiânia?

Acrescido a estas informações, a violência atinge a todos(as), e não podemos fechar os olhos, negando a existência também do racismo, uma vez que nas camadas mais populares estão os negros. A justificativa como já abordei aqui: existe a cultura racista, isto é fato! Ela corrobora com a promoção ou manutenção, em classes sociais distintas. O racismo é algo cruel e vivenciado em nosso País, principalmente por pessoas da pele escura. Dificilmente existe uma pessoa negra não tenha passado pela situação de constrangimento ou violência ao longo de sua história em função da cor de sua pele. Somente a aplicação de políticas públicas em todos os campos, como: educação, saúde, geração de renda ou o acesso ao emprego, entre outros, permitirá a construção do que eu chamaria de verdadeira democracia no Brasil. Para o intelectual, professor Milton Santos, “A condição de ser negro”, como dizia, : “Nos coloca em condição de permanente vigília”.

(José Eduardo da Silva, ex-assessor da Igualdade Racial e atual assessor especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Goiânia, 46, assistente social e mestrando em Serviço Social)

Fonte: DM

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