DF teve mais feminicídios cometidos com armas legais do que ilegais

Levantamento de feminicídios cometidos com armas de fogo aponta mais revólveres legais do que ilegais sendo usados em homicídios de mulheres

Armas de fogo legais são mais usadas em feminicídios do que armas ilegais no Distrito Federal. Os dados, levantados pelo Metrópoles, mostram que o último assassinato de mulher motivado pelo gênero na capital traz um cenário recorrente. Nesta semana, Wesly Denny da Silva, 29 anos, executou Tainara Kellen Mesquita, 26, com seis tiros, na frente da filha do ex-casal, usando um revólver registrado. A menor de apenas 5 anos tem lembrança vívida do que ocorreu. Ele “fez pou pou na mamãe”, contou.

Lei do Feminicídio foi promulgada em março de 2015. Desde então, o DF soma 37 mulheres mortas a tiros. Destes casos, o autor do crime usou uma arma de fogo legal em 19 vezes, ou seja, 51% das vezes. Esse número é maior do que a quantidade de vezes em que um revólver irregular foi usado em feminicídio, situação registrada em 12 ocorrências. A arma dos outros 6 crimes não foi encontrada.

Os números fazem parte de um estudo da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), com dados até dezembro de 2023, somados ao último assassinato de mulher motivado pelo gênero noticiado no DF. O crime ocorreu quarta-feira (10/1), quando Tainara Kellen foi executada na frente da filha, no Gama.

Wesly tem um longo histórico de violência contra mulheres. Ele já perseguiu, ameaçou e espancou outras vítimas. A lista de crimes praticados pelo homem inclui ainda porte ilegal de arma, ameaças, vias de fato e desacato. Mesmo assim, possui registro de Colecionador, Atirador e Caçador (CAC). O feminicida deu seis tiros na ex-companheira, um no rosto, quatro nas costas e um nas nádegas, usando uma pistola 9 mm legal.

Armamento

Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz e autor do livro “Arma de fogo no Brasil — gatilho da violência”, lembra que o DF sempre foi uma unidade federativa com muita gente armada, já que tem sedes de unidades militares e policiais, em que a arma é um instrumento de trabalho, mas isso foi potencializado com a flexibilização de regras de compra de revólveres.

“Houve incentivo explícito de que civis comprassem armas, o que foi feito majoritariamente por homens, e nem sempre com a avaliação de capacidade bem feita. Isso se reflete no número de feminicídios cometidos com armas legais. Mas o aumento de armas legais, apesar de vitimar com mais intensidade as mulheres, está afetando todos no Distrito Federal, já que dados da SSP mostram que, com mais armas no mercado legal, houve uma rápida ‘modernização’ também do mercado ilegal.”

O especialista também cita dados relativos à arma usada no último feminicídio do DF. “Em nenhuma outra unidade da federação há registro de crescimento de pistolas 9mm no crime. Segundo análise do Instituto Sou da Paz, esta arma saiu de 3,7% das apreendidas em 2018 para incríveis 23% em 2022”, relata.

De acordo com informações do Exército Brasileiro, a 11ª Região Militar, que integra DF, Goiás, Tocantins e triângulo mineiro, registrou 59.925 novas armas no acervo de CACs em 2022. Comparando com 2012, quando 1.329 novas armas foram registradas, houve um aumento de 4.409%.

Meio comum do feminicídio

Armas de fogo são o segundo instrumento mais comum utilizado em feminicídios no DF, atrás somente de armas brancas, com o dobro de casos do terceiro meio mais usado, a asfixia. Até dezembro de 2023, em 94 assassinatos de mulheres motivados pelo gênero foram usados instrumentos como facas, machados ou martelos, por exemplo. Em 36, armas de fogo. Houve asfixia em 18, agressão física em 17 e “objeto contundente” em 8.

Também é comum que mulheres morram dentro da própria casa, como aconteceu em 74% dos feminicídios do DF. Outro dado que chama atenção mostra que dos 180 feminicídios ocorridos no DF entre 2015 e 2023, 111 tiveram como motivação posse e/ou ciúme, o que corresponde a 62% dos casos.


A segunda motivação mais frequente é a não aceitação do término do relacionamento. Ao todo, houve 41 casos desde 2015 em que um ex-parceiro chegou a assassinar uma mulher depois de ela decidir encerrar a relação.


O Distrito Federal fechou o ano de 2023 com o maior número de feminicídios da história. Foram 30 mortes de mulheres motivadas pelo gênero confirmadas no ano passado, dado mais alto desde o primeiro levantamento da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), de 2012, ainda antes da regulamentação da lei do feminicídio. Há ainda 4 óbitos de mulheres ocorridos em 2023 tipificados inicialmente como feminicídio, mas com causa ainda sob investigação.

Enfrentamento

Em nota, a SSP-DF afirmou que “o enfrentamento à violência contra a mulher é prioridade para a segurança pública do Distrito Federal”, citando a criação do eixo “Mulher Mais Segura” no novo programa da pasta, o “DF Mais Seguro – Segurança Integral”. “O eixo reúne uma série de ações e projetos que buscam fortalecer o trabalho entre órgãos de governo e sociedade civil na proteção da mulher.”


Entre as ações destacadas pela pasta está o incentivo à denúncia para interromper o ciclo de violência, permitindo que a rede de apoio possa atuar, reduzindo a subnotificação e a ampliação da notificação de casos identificados. “Nesse sentido, os registros desses casos podem estar relacionados às diversas campanhas de incentivo à denúncia e, ainda, à ampliação dos canais de denúncia, como o Maria da Penha Online.”


A SSP/DF também pontuou que “o cadastro de pessoas físicas para atividades de Colecionamento de armas de fogo, Tiro Desportivo e Caça (CACs) é de responsabilidade do Exército Brasileiro, conforme Lei 10.826/03.”

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