Plano seria lançado ontem, mas foi barrado por receio de atritos com Igreja Católica e evangélicos no ano eleitoral
Vera Rosa
Disposta a evitar novos atritos com evangélicos e a Igreja Católica em ano eleitoral, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência, mandou a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial adiar o anúncio do Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa. O plano, que prevê a legalização fundiária dos imóveis ocupados por terreiros de umbanda e candomblé e até o tombamento de casas de culto, seria lançado ontem, mas na última hora o governo segurou a divulgação, sob o argumento de que era preciso revisar aspectos jurídicos do texto.
O adiamento ocorre na esteira da polêmica envolvendo o Programa Nacional de Direitos Humanos, que pôs o Palácio do Planalto numa enrascada política, provocando crise dentro e fora do governo. Temas controversos, como descriminação do aborto, união civil de pessoas do mesmo sexo e proibição do uso de símbolos religiosos em repartições públicas, foram alvo de fortes críticas, principalmente por parte da Igreja.
Na avaliação do Planalto, é preciso evitar novos embates que possam criar “ruídos de comunicação” e prejudicar a campanha de Dilma. Desde o ano passado, a ministra tem feito todos os esforços para se aproximar tanto de católicos quanto de evangélicos e já percorreu vários templos religiosos.
“O programa de promoção de políticas públicas para as comunidades tradicionais de terreiro já estava adequado, mas, como é um plano de governo, precisa ser pactuado para não haver constrangimentos”, afirmou o ministro-chefe da Secretaria da Igualdade Racial, Edson Santos.
Apesar de dizer que nunca é demais dar “outra passada de olhos” no texto, para maior observância à Constituição e ao Código Penal, Santos não escondeu a decepção com a ordem para suspender o anúncio do plano, que seria feito justamente na véspera do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado hoje.
“Espero que possamos lançá-lo o mais rapidamente possível”, disse o ministro, diante de uma plateia de praticantes de umbanda e candomblé, que se reuniram no Salão Negro do Ministério da Justiça. “Somos um Estado laico, mas não seremos neutros e cegos diante das injustiças e do racismo.”
REAÇÃO
A informação sobre o adiamento do programa pegou de surpresa as comunidades de terreiro. Muitas mães e pais de santo viajaram de longe para assistir à cerimônia e só souberam na hora que haveria ali apenas um debate.
“Quando o governo chega na encruzilhada e tem de tomar uma decisão, recua. Será medo? Acho que sim”, protestou Valdina Pinto de Oliveira, do terreiro Tanuri Junsara, de Salvador (BA). Ela foi além e conclamou a comunidade do candomblé a pensar bem em quem vai votar nas eleições de outubro.
“Está na hora de irmos para o campo político e de educar os nossos para saber quem vamos eleger”, insistiu Valdina, sob aplausos. “A gente viu o que aconteceu com o Estatuto da Igualdade Racial e o que está acontecendo com esse plano. Por que para negro e índio não tem terra? Precisamos acabar com esse vírus do racismo.”
Coordenador das reuniões realizadas para a confecção do plano, o subsecretário de Políticas para Comunidades Tradicionais, Alexandro Reis, tentou contornar o desapontamento geral. “A preocupação do governo é que determinados setores, por motivos eleitorais, utilizem o plano de proteção à liberdade religiosa como algo negativo”, contou. Reis admitiu que o texto “precisa ser pactuado com evangélicos e católicos” para não ser contaminado pelo ambiente político de 2010. Disse, no entanto, que os terreiros não podem participar dessa briga. “Estamos tratando de um segmento que tem sido demonizado, mas não vamos violar direitos de ninguém”, argumentou. Depois, garantiu que o governo continuará o mapeamento dos terreiros para nortear as políticas públicas.
Embora a Secretaria da Igualdade Racial tenha informado que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é solidária ao plano, a Pastoral Afro-Brasileira assegurou não ter sido consultada sobre seu conteúdo. Atualmente, apenas seis dos cerca de 10 mil terreiros são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Para o pastor Ronaldo Fonseca, presidente do Conselho Político da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, o Estado não deve gastar dinheiro com tombamento de templos. “O governo está se envolvendo em polêmicas desnecessárias”, comentou. “Não existe guerra santa aqui e não é inteligente o Estado se preocupar com símbolos religiosos, tombamentos e união de homossexuais. Isso é coisa de marxista.”
Fonte: Estadão