Educação em África deve formar cidadãos mais do que técnicos

 

“Já lá vai o tempo em que a educação era um fim em si mesmo”, diz ministro do Ensino Superior de Cabo Verde.

Em vez de se esforçarem para dar um contributo para solucionar os problemas locais, muitas empresas usam África como pano de fundo das suas “selfies”, mais preocupadas em ficar bem na fotografia. A acusação foi feita ontem pelo catedrático e ex-secretário de Estado português dos Ensinos Básico e Secundário (1992/93), Joaquim Azevedo, entre várias leituras incisivas feitas sobre os desafios do Ensino Superior e da Formação Profissional em África.

Num debate promovido no âmbito do 8º Seminário Internacional RDP África, a mesa contou ainda com o actual ministro cabo-verdiano do Ensino Superior, Ciência e Inovação, António Correia e Silva, e o também catedrático e director científico da Universidade de Lúrio, de Nampula (Moçambique), Tito Fernandes.

O Auditório Agostinho da Silva, na Universidade Lusófona de Lisboa, esteve cheio ontem para acolher a inciativa que a RDP África organiza desde 2007. Entre os presentes, Alberto da Ponte, presidente da RTP, abriu a sessão saudando o percurso da rádio no dia em que “atingiu a maioridade já confirmada ao longo da sua existência”. Também na primeira fila, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Luís Campos Ferreira, enfatizou a importância das iniciativas “para a afirmação da língua, cultura e ambiência portuguesa lá fora”e defendeu uma “diplomacia da comunicação” através dos canais de rádio e televisão como meio de “exportar Portugal”.

O moderador do debate, Jorge Gonçalves, introduziu o tema da Educação referindo a necessidade de serem questionadas as opções educativas e a mobilização de “recursos adequados às necessidades intelectuais de países em vias de desenvolvimento”, para que se ultrapassem os “indicadores depressivos”, sublinhando que África deve ambicionar formar “cidadãos mais do que técnicos”.

“Já lá vai o tempo em que a educação era vista como um fim em si mesmo”, afirmou António Correia e Silva, lembrando a necessidade de se traçar “um sentido estratégico” para o investimento no sector que possa “promover um projecto de país, articulando as políticas de modo a renovar a sua legitimidade com o correr dos tempos”. Correia e Silva lembrou que a democracia é um processo, uma “dinâmica de fronteira móvel”, e que a educação faz parte da realização do seu ideal, explicando que para ser exercida não basta impor deveres e garantir direitos, são necessárias “bases cognitivas” para lhes dar expressão. Finalmente, afirmou que num tempo em que o ensino superior não é já uma garantia de emprego, as universidades devem “reconverter a sua oferta formativa”, encarando-a de forma “mais dinâmica para que, em vez de se limitar a servir o empresariado, se torne o berço de um novo empresariado com capacidade de inovação”.

Joaquim Azevedo começou por referir a correlação entre ensino e desenvolvimento, que não deve ser avaliado apenas ao nível do impacto económico, mas na sua repercussão a todos os níveis sociais. Um investimento que deve “ancorar-se na realidade concreta”, disse, lembrando que “a tendência para importar modelos do mundo desenvolvido para África tem muitas vezes resultado em pequenas tragédias”. Para o ex-governante português a solução deverá passar por apostas nas instituições que podem reconhecer as necessidades específicas de cada região.

Por último, Tito Fernandes criticou as instruções do Banco Mundial, considerando que os países africanos deviam apostar em enviar os seus melhores alunos para fora, na esperança de que estes “cérebros” voltem para desenvolver os seus países, alertando para os perigos do “copy-paste” dos modelos de educação de outros países, sendo necessário desenvolver “um saber nacional, adaptado às realidades locais”.

Diogo Vaz Pinto

 

 

Fonte: Novo Jornal

 

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