Entidades de segurança pública e direitos humanos dizem que novo edital precariza programa de câmeras da PM em SP

Segundo o edital, a gravação de vídeos pelo equipamento deverá ser realizada de forma intencional. Para participar do certame, as empresas devem comprovar a capacidade de fornecimento de apenas 500 câmeras de vídeo, o equivalente a apenas 4% do total de equipamentos a serem contratados.

Entidades da sociedade civil ligadas à segurança pública manifestaram preocupação com o novo edital para contratação de 12 mil câmeras corporais para a Polícia Militar de São Paulo, lançado nesta quarta-feira (22).

Segundo o edital, a gravação de vídeos pelo equipamento deverá ser realizada de forma intencional, ou seja, o policial será responsável por gravar ou não uma ocorrência, como mostraram o g1 e a GloboNews. A captura de imagens também não será mais ininterrupta como ocorre atualmente.

Em nota conjunta divulgada nesta quinta-feira (23), as organizações afirmam que o sucesso do Programa Olho Vivo corre risco em razão das mudanças no armazenamento de imagens, tipo de gravação e comprovação da capacidade de fornecimento de equipamentos pelas empresas que desejam participar da licitação, conforme é descrito no edital.

A nota é assinada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV), Instituto Sou da Paz, Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), Iniciativa Negra, Fogo Cruzado, Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, Instituto Igarapé, Instituto Mundo Aflora, Instituto Vladimir Herzog, Conectas, Comissão Arns, Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Justa, Mães de Maio, Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo e Instituto Terra, Trabalho e Cidadania.

Mudanças no sistema das câmeras

Atualmente, há 10.125 câmeras em operação no estado que foram compradas por meio de dois contratos, e as gravações são divididas em duas categorias: de rotina e intencionais. Todas elas serão substituídas pelos novos equipamentos e 2 mil novas serão compradas.

Os vídeos de rotina registram todo o turno do policial e são obtidos sem o acionamento, portanto gravam de forma ininterrupta. Os PMs não têm autonomia para escolher o que desejam registrar. As imagens ficam arquivadas por 90 dias no sistema do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) e, para reduzir os custos, a resolução delas é menor e sem o som ambiente.

Já os vídeos intencionais são obtidos pelo acionamento proposital do policial e ficam guardados por um ano. Elas também possuem som ambiente e resolução superior às gravações de rotina.

No novo edital, não há menção às gravações rotineiras, somente às intencionais. O documento também informa que o acionamento para captura de imagens poderá ser feito de forma remota pelo Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) ou pelo próprio policial. Além disso, os vídeos serão transmitidos ao vivo (live streaming) pela internet para a central da corporação.

Sucesso do Programa Olho Vivo corre risco

As entidades apontam que a gravação de todo o turno de trabalho dos PMs pelas câmeras corporais tem garantido a redução da letalidade policial e do uso da força de forma indiscriminada e sem controle durante abordagens, segundo as seguintes pesquisas:

  • Relatório publicado pelo FBSP identificou queda de 62,7% na letalidade policial, entre 2019 e 2022, com maior ênfase nas regiões onde as câmeras estavam em uso;
  • Análise realizada pela FGV, em 2022, apontou que as câmeras foram responsáveis diretamente por 57% de redução no número de mortes decorrentes de intervenção policial e queda de 63% nas lesões corporais causadas por PMs;
  • Estudo do Instituto Sou da Paz, em 2023, revelou ainda que os casos de mortes de jovens (entre 15 e 24 anos) caíram 46% após a implementação das câmeras.

As câmeras também oferecem proteção jurídica e física aos próprios policiais. “As gravações tendem a apaziguar os ânimos durante as abordagens, o que diminui os casos de agressão contra os agentes, e ainda servem como evidências contra-acusações injustas, trazendo segurança para a corporação como um todo”, aponta a nota.

Para as entidades, ao extinguir a funcionalidade de gravação ininterrupta, a Polícia Militar deixa a cargo dos próprios policiais a escolha sobre o acionamento das câmeras, o que pode diminuir os efeitos positivos do programa.

Requisitos para participação da licitação não estão claros

Na avaliação das organizações, os requisitos para habilitação técnica das empresas que desejarem participarem da licitação das câmeras corporais, especialmente quando comparado com os editais de 2020 e 2021, não estão claros.

O edital divulgado nesta quarta-feira exige que, para participar do certame, as empresas devem comprovar a capacidade de fornecimento de apenas 500 “câmeras de vídeo”, o equivalente a 4% do total de equipamentos a serem contratados.

Entretanto, em 2020, exigiu-se das empresas concorrentes a comprovação de capacidade técnica de fornecimento de, no mínimo, 50% do objeto licitado.

“Ao reduzir a exigência de comprovação de capacidade técnica, o edital aumenta o risco de empresas com produtos de menor qualidade técnica na área e/ou recém ingressantes oferecem condições irreais, que depois poderão comprometer o serviço prestado caso vençam o certame”, afirma a nota.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que “o edital para a contratação de 12 mil novas câmeras operacionais portáteis (COPs) foi elaborado com base em rigorosos estudos técnicos. O objetivo é garantir a ampliação das funcionalidades dos dispositivos e a alta qualidade de som e imagem captados. A Instituição busca exclusivamente o aperfeiçoamento do programa de câmeras operacionais portáteis e ressalta que os requisitos técnicos estabelecidos no edital permitirão que apenas empresas devidamente capacitadas forneçam os serviços à Corporação”.

Tarcísio defende que o acionamento remoto vai garantir mais controle

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), defendeu que o acionamento remoto das novas câmeras corporais pelo Copom trará mais “governança” às gravações das ocorrências policiais. Isto é, será mais fácil fiscalizar o trabalho dos PMs. A declaração foi feita durante agenda na manhã desta quinta-feira (23).

“Você tem a possibilidade de retroagir no tempo [nas novas câmeras]. Então, se houver um estampido, o Copom pode acionar a câmera com o tempo retroativo. Você tem uma governança muito melhor do que vai ser gravado, tem um compliance maior. Você sai daquela situação de ir para uma operação, acabar a bateria, e a câmera não filmar. Então, você vai passar a ter uma governança muito melhor, uma qualidade de imagem muito maior e um controle muito melhor das operações que vão estar em campo”, declarou Tarcísio.

O governador não deu detalhes de como a câmera consegue gravar mesmo desligada.

Questionado sobre o que pode acontecer caso um PM não acione a câmera durante uma ocorrência, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL), explicou que “o superior imediato ou até mesmo o Copom, de maneira remota, em qualquer local do Estado, independe de onde o policial esteja, vai poder acionar e rever o ato, no momento que ele quiser. [Será] um review que ele pode ver como se fosse um vídeo do Youtube, permite que ele volte mesmo com a ocorrência em andamento”.

Confira alguns funções das câmeras novas:

  • o início e o término da gravação serão realizados por acionamento do PM, local ou remotamente, ou em caso de esgotamento de bateria;
  • ao iniciar a gravação, o vídeo gravado no equipamento deverá retroagir 90 segundos, incluindo sua faixa de áudio no mesmo intervalo de tempo;
  • encerrado o vídeo intencional, a câmera deverá voltar automaticamente ao modo de espera;
  • o vídeo intencional deve conter faixa de áudio;
  • a câmera deverá suportar no mínimo 12 horas de operação em condições de gravação local, porém conectada a plataforma.

O vídeo abaixo, de maio de 2023, mostra como funcionam as câmaras corporais da PM no modelo atual, que será substituído:

Mais tecnologia

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) alega que o equipamento será mais moderno e tecnológico do que o que está em uso.

Entre as novas funções que estão na especificação técnica do contrato, destaca-se a integração do equipamento com o Programa Muralha Paulista, com capacidade para identificação de foragidos e placas de veículos roubados ou furtados.

O governo ainda diz que haverá a possibilidade de compartilhar os registros de áudio e vídeo automaticamente com o Ministério Público, o Poder Judiciário e demais órgãos de controle, seguindo as regras estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Os novos equipamentos também terão ferramenta de áudio bidirecional, permitindo a comunicação entre os policiais de rua e do Copom.

“As câmeras permitirão que eles solicitem apoio durante as ações. Devido à transmissão ao vivo, o Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) também poderá acionar outras equipes de apoio quando achar necessário, antes mesmo que os policiais precisem solicitar”.

Armazenamento

Em abril, em resposta a ação da Defensoria Pública de São Paulo no Supremo Tribunal Federal (STF), o governo se comprometeu a utilizar câmeras corporais em operações policiais no estado e apresentou cronograma que estabelece implementação até setembro de 2024.

No acordo enviado ao STF, a gestão estadual definiu que os vídeos intencionais deveriam ser armazenados por 120 dias, enquanto os rotineiros por 30 dias.

Entretanto, no novo edital lançado nesta quarta-feira, ficou estabelecido que as imagens podem ser deletadas do sistema após o prazo de 30 dias – diferente do que foi acordado com o STF.

Compra de câmeras

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, a expectativa é a de que a licitação gere uma economia entre 30% a 50% para o tesouro estadual em relação ao contrato anterior.

“Se antes cada câmera custava cerca de R$ 1 mil, com o novo edital para a compra dos equipamentos, o valor deve cair para R$ 500”, diz a SSP.

O que diz a SSP

“O edital lançado nesta quarta-feira (22) foi estruturado a partir de estudos técnicos e da análise da experiência do uso da tecnologia por forças de segurança em outros países. As avaliações apontaram a maior incidência de problemas de autonomia de bateria nos equipamentos de gravação ininterrupta, bem como a elevação dos custos de armazenamento, vez que parte expressiva do material captado não é aproveitada. Tais condições inviabilizavam a expansão do sistema.

Deste modo, a Pasta optou por um modelo de câmera com acionamento manual e remoto, ampliando as funcionalidades em relação ao equipamento anterior. Ao despachar uma ocorrência ou ser notificada por uma equipe, o Copom terá condições de verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo policial. Caso negativo, o dispositivo é acionado remotamente pela central de operações da PM. O acionamento seguirá rígidas regras estabelecidas pela corporação a fim de garantir a gestão operacional e a eficiência do sistema. O policial que não cumprir o protocolo será responsabilizado.

Todas as imagens captadas por meio dos equipamentos poderão ser acessadas de forma imediata e também ficarão armazenadas em um data center da Polícia Militar por tempo indeterminado. Atualmente, 10.125 câmeras corporais estão disponíveis, as quais permitem cobrir 52% do trabalho operacional no Estado. Com o novo edital, além de manter a cobertura atual e aperfeiçoar a tecnologia, haverá uma expansão de 18%, permitindo atender também outros comandos de policiamento”.

Mudanças de discurso

O secretário de Segurança Pública de São Paulo (SSP), Guilherme Derrite, disse no dia 10 de maio, durante entrevista coletiva, que o uso das câmeras corporais nas fardas dos policiais militares é positivo tanto para a corporação quanto para os cidadãos.

“Eu mesmo na época da campanha questionei a utilização das câmeras e sua eficácia e eu pude acompanhar que ela pode ser utilizada pra outras funcionalidades e isso pode ser muito bom não só para o policial, como para a população”.

A fala representa uma mudança no discurso do secretário, que historicamente se colocou contrário ao equipamento. Há menos de dois meses, em agenda pública, ele chegou a repetir o que sempre sustentou como parlamentar – que as câmeras “inibiam” o trabalho da polícia.

O governo de SP tem esvaziado os investimentos no Programa Olho Vivo, desenvolvido pela gestão João Doria, e elogiado por especialistas na área justamente por evitar mortes e reduzir a letalidade policial.

Histórico

A implantação do programa de acoplar câmeras aos uniformes de policiais militares, batizado de “Olho Vivo”, começou em São Paulo em julho de 2020, com 30 aparelhos.

Em fevereiro de 2023, pouco depois de o atual governador Tarcísio de Freitas assumir o cargo, a PM paulista já tinha 10.125 câmeras à disposição.

No início do governo, Tarcísio, que se posicionou contrário às câmeras durante a campanha de 2022, chegou a dizer que estudava ampliar o programa.

O número, porém, permaneceu estagnado pelo menos até junho de 2023, segundo levantamento feito pelo g1.

Em outubro, o governador decidiu tirar R$ 15 milhões da verba destinada ao programa, um corte de cerca de 10% do valor total. Na época, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) alegou queda na arrecadação como justificativa.

Em setembro, uma ação civil pública pediu que a Justiça obrigasse o governo de São Paulo a instalar câmeras corporais nos policiais militares e civis que atuam na Operação Escudo, na Baixada Santista.

A Justiça de São Paulo chegou a atender o pedido da Defensoria Pública do Estado e do Ministério Público (MP-SP), mas a liminar foi suspensa no dia seguinte.

O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro do ano passado. Em março, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, deu prazo de 10 dias para que o estado de São Paulo se manifestasse diante de uma ação da Defensoria Pública, que pede o uso de câmeras corporais nas fardas da Polícia Militar.

O uso do equipamento nos uniformes da PM em SP evitou 104 mortes, segundo levantamento da FGV em dezembro de 2022 e a letalidade dos policiais em serviço foi a menor da história no ano passado, de acordo com um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com a Unicef divulgado em maio de 2023.

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