Entrevista: Ana Célia é chef do restaurante africano das músicas de Gil e Caetano

Que Ana Célia Santos, 65, aprendeu na cozinha da tia, durante a infância, ganhou o mundo. Para onde a cozinheira não levou sua comida, as músicas levaram. E com pompa. Afinal, quem pode se vangloriar de estar em composições de Caetano Veloso (Sim/Não), Gilberto Gil (Banda Um) e da Cor do Som (As Cores)? Os pratos do Zanzibar, que variam entre as culinárias baiana e africana, têm nomes incomuns, como Ebubu Flô e Fufu Inha. E já encantaram nomes como Gal Costa, Maria Bethânia, Luiz Melodia, Jorge Amado e Regina Casé. Conheça um pouco da história do Zanzibar e de sua criadora, Ana Célia.

Por Victor Villarpando  Do: correio24horas

Como começou a cozinhar?
Aos 13 anos, quando meus pais morreram. Eu e meus sete  irmãos fomos morar com uma tia, que era cozinheira. Eu era uma das mais velhas e ela me ensinou, para ajudá-la. Ela sempre fazia pratos africanos e falava em iorubá. Depois, conheci receitas de amigos de lá e testava. Uma vez, um deles me ensinou um prato chamado Calulu de carne. E minha tia sempre fez aquilo, só não chamava assim.

Como surgiu o restaurante?
No Garcia, na Rua dos Artistas, onde nascemos. Meus irmãos viajaram para o Rio de Janeiro e fiquei aqui com duas irmãs (Danda e Neide). Fui uma das fundadoras do movimento negro em Salvador. Pensava num espaço para agrupar, ter um gueto para chamar de nosso. Mas não rolou assim e foi bem melhor. Sempre vieram muitos artistas, gente de dança, teatro, universitários…

De onde vinha tanto artista?
Ficávamos perto do TCA. E eu e meu irmão fizemos dança com (o americano) Clyde Morgan. A gente saía do ensaio e levava o pessoal para lá. Quando vi, tinha aquela galera maravilhosa. O Zanzibar foi citado em música de Gil (Banda Um), de Caetano (Sim/Não)… Já As Cores, d´A Cor do Som, nunca me disseram que a referência era ao meu restaurante. Pode ser coincidência. Mas a música surgiu um ano depois do Zanzibar. E toda vez que Armandinho vem aqui, ele canta.

E a reabertura?
Ficamos no Garcia de 78 a 89. Aí fechamos por brigas pela herança. Quem tem bar diz que quer sair dessa história, que não tem mais idade, que quer dormir cedo e acordar tarde… Bar rouba muito tempo da gente. Além de atender o cliente no horário de funcionamento, você tem que comprar ingredientes de dia. É puxado. Mas eu amo isso. Desta vez, estou tentando perto de minha casa, para facilitar.

Já trabalhou também na Casa do Benin?
Já era funcionária da Fundação Gregório de Mattos (Prefeitura). Depois que o Zanzibar do Garcia fechou, assumi a cozinha da Casa do Benin por quase 10 anos. Na época, houve uma polêmica por eu ser funcionária da Fundação. Hoje me aposentei e fui convidada para dar aulas de culinária baiana e africana lá.

A comida africana é muito diferente da nossa?
Sim. Tem bem menos dendê. Tanto que minhas comidas africanas aqui quase não levam dendê. Até acarajé eles fritam com óleo normal! O gosto é um pouco diferente.

Você faz eventos fora?
Acontece. Outro dia, Gal me chamou para fazer uma moqueca no show de inauguração de uma casa de festas em São Paulo. Há um tempo, Edinho Engel (Amado) me chamou para ir aos Estados Unidos fazer palestras numa faculdade da Califórnia. Eu falei de culinária tradicional e ele de contemporânea. Foi ótimo.

Acha que hoje a cultura negra tem mais espaço em Salvador?
Não vejo grande evolução nisso. Tiro pelo Carnaval. O axé está lá em cima e os blocos afros lá em baixo. Por exemplo: o Zanzibar tem uma história e eu nunca consegui patrocínio para fazer um livro. E tem tantos livros bobos por aí…

O que gostaria de contar no livro?
Histórias de culinária que aprendi com minha tia, coisas que minha avó contou, o que elas diziam em iorubá… É toda uma trajetória do Zanzibar. Isso aqui amanhecia o dia com gente conversando, fazendo música, poesia… Tem muito para ser contado.

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