Entrevista: Militância de Imperatriz a Alcântara

“Quem eu sou? Mulher, mãe, negra, educadora. De que lugar falo? Eu falo da Pedagogia e da militância do Centro de Cultura Negra ‘Negro Cosme’, Imperatriz. Para que falo? Para que a minha fala seja um instrumento de luta. Com base em quem falo? Freire, Boff, Munanga, tantos outros militantes e pelas experiências vivenciadas como educadora em 29 anos de profissão, de maternal até o mestrado. Quem me ouve? Pessoas sedentas de conhecer a si e as relações que se dão”.

É assim que se auto apresenta a professora, doutora pela Universidad Del Norte de Assunção – Paraguai, Herli de Sousa Carvalho. Além das atividades citadas, Herli Carvalho coordena o grupo de pesquisa “Memórias, Diversidades e Identidades Culturais” e o projeto “Alma”, Alcântara-Maranhão, vinculado ao de pesquisa, mas voltado para extensão universitária. Nesta entrevista, ela fala sobre o Alma reúne professores e acadêmicos da UFMA e UEMA Imperatriz, FEST e do Centro de Ensino Doutor João Leitão em Alcântara. O projeto Alma surgiu há dois anos quando algumas pessoas, que hoje são integrantes do projeto, viajaram para Alcântara com o objetivo de conhecer um pouco da história da cidade. Nesta oportunidade, um professor da rede pública local, José Maria, que hoje coordena o núcleo do projeto em Alcântara, estimulou a equipe a escrever um livro sobre o município registrando seus momentos: passado, presente e futuro. Por isso, a proposta do projeto extensionista é de “Re)escrever as histórias das Comunidades Quilombolas do município de Alcântara” dando voz às comunidades e atentando para suas sutilezas e singularidades.

O grupo de pesquisa “Memórias, Diversidades e Identidades Culturais” trabalha com o amplo leque social da formação e prática cultural que, por sua vez, está intimamente relacionado com a dinâmica marcante de Imperatriz. Então, por que sair da cidade para atuar nas comunidades quilombolas de Alcântara? 
Herli Carvalho – Lá está acontecendo à construção da base da Ucrânia, para lançamento de foguetes. Alcântara está recebendo muitas pessoas de vários locais. Isso está já afetando a vida da cidade de uma forma muito grandiosa, muito rápida, e eles não estão acostumados com esta situação. Há 28 anos, mais ou menos, tiveram a construção da Base Aero Espacial de Alcântara, que foi uma movimentação. Mas agora, é um momento. Então, o objetivo do trabalho seria escrever Alcântara: como ela era antes, neste durante e como que ela vai ficar depois da construção e dessas pessoas que vão passar por lá. O que elas vão deixando de legado em todos os sentidos.

Outros projetos já foram desenvolvidos em Alcântara. Inclusive, já foi produzido um livro sobre o artesanato de algumas comunidades do município. Qual a diferença do Alma para os projetos anteriores? 
Quando nós chegamos às comunidades, agente percebe que eles se sentem empolgados, felizes com a nossa permanência. Por que, segundo eles, outros grupos passaram, levaram o que eles tinham de material, em todos os sentidos: material escrito, material fotográfico e de vídeo, e não deram nenhum retorno para eles. E nós temos, à medida do possível, organizado cursos para que possam ter informações que ajudem além da autoestima, mas também da qualidade de vida.

Não podemos falar de qualidade de vida sem tratar da questão ambiental. Assim, é importante considerar que as comunidades quilombolas localizam-se no litoral ocidental maranhense, que tem uma das mais deslumbrantes biodiversidades brasileiras. Mas, apesar do aparente desenvolvimento regional, eles conservam este espaço. Neste contexto, como o Alma mostra a ação ambiental dessas comunidades? 
Alguns desses trabalhos estão centrados para que eles vejam como é importante o trabalho que eles realizam. Como o mundo os percebe de uma forma diferente. Quando o mundo inteiro quer trabalhar com o desenvolvimento sustentável, eles já vivenciam isso de uma forma bem natural. E assim, dentro dos eixos, acima de tudo, busca-se ajudar na preservação dessas histórias.

A propósito, o grupo inscreveu cinco trabalhos para o SBPC de São Luís, porque acredita que essas produções estão relacionadas ao tema do encontro “Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza”. Como o Alma ajuda essas comunidades a combaterem a pobreza? 
Por exemplo, agora nós vamos levando duas mulheres que vão fazer um curso em São Luís, com um ceramista. Elas trabalham na cerâmica e esse senhor trabalha com a cerâmica esmaltada. Dentro do desenvolvimento sustentável, foi realizado duas etapas de um projeto sobre a elaboração de projetos sociais com as lideranças comunitárias. Eles elaboraram 5 projetos e à medida do possível nos queremos ajuda-los a fomentar esses projetos para órgãos que financiam. Dentro da saúde ainda, foram realizadas duas etapas de capacitação de agentes de saúde das comunidades quilombolas. Também está sendo trabalhado, além das informações na área da sexualidade na escola com professores e com agentes de saúde, em relação às drogas na escola. Temos ajudado na elaboração de projetos para financiamento pelo BNB para um grupo de dança, chamado Boiadeiro.  Então, são pequenas ações porque a nossa presença lá é, de certa forma, pontual. Mas com o sentido de que eles possam melhorar a vida deles.

Está clara a relevância do projeto para Alcântara. Nesse caso, como você diria que ele também é importante para Imperatriz?
O legado maior que o projeto deixa a cidade é justamente essa possibilidade de articular os saberes que o acadêmico recebe em sala de aula, juntamente com os saberes que ele desenvolve na pesquisa e na extensão. Esses saberes se tornam importantes na formação desse acadêmico, dentro da profissão que ele vai exercer. Então, eu creio que esse crescimento pessoal, profissional e de conhecimento que cada um trás e ganha com o projeto é o legado maior. E como eles articulam em todos os eventos que acontecem na socialização dos projetos que estão sendo vivenciados em Alcântara. Então essa relação entre as pessoas de Alcântara e as pessoas de Imperatriz é um segundo item importante, essa interatividade, essa possibilidade de estarem discutindo problemas que não são comuns, do ponto de vista dos quilombolas, mas são comuns o desejo de aprender, de ter um olhar diferenciado para essas comunidades os problemas que são vistos. E como que pode contribuir para que haja uma minimização dessas situações.

É interessante pensar que o grupo sai do sudoeste maranhense para trabalhar com pessoas no litoral do estado. Pensando nisso, como eles veem esse trabalho de Imperatriz nas comunidades? 
Quando nós chegamos às comunidades, agente percebe que as informações por pequenas que sejam que o nosso grupo trabalha com eles, conversa com eles, eles se sentem empolgados, felizes com a nossa permanência. Então essa interação que existe quando nós chegamos nas comunidades, e mesmo na própria Alcântara, a receptividade muito grande porque sabem que agente está levando alguma coisa para contribuir com a comunidade. Então eu vejo que essa possibilidade dessas discussões que acontecem assim, vamos chamar de dois grupos, tem contribuído muito. Tanto no conhecimento deles quanto nosso e articular esses momentos dentro da comunidade.

Está previsto que as ações do Alma se estendam até 2015. Qual a contrapartida que projeto deixará para as comunidades?
O grupo entende que as informações, que são simples para nós, para eles tem um significado muito grande. Através do acervo, tanto fotográfico, como audiovisual e ainda escrito, o projeto Alma pretende organizar o produto final do trabalho: a construção dos livros. Serão 15 materiais, entre livros, sobre essa comunidade e uma cartilha sobre as Práticas de Saúde do Adulto nas Comunidades Quilombolas de Alcântara fazendo a aproximação do saber científico com o popular.

Falando destes dois anos de ações em Alcântara, quais são as principais conquistas do projeto Alma?
Uma coisa interessante que nós temos visto é o número de crianças que estão sendo resgatadas por pessoas, alunos do ensino médio, que participam conosco do projeto. Mas de forma geral, o ano passado foi muito importante para nós. Foi o ano Internacional dos Afrodescendentes, pela Unesco, e o Alma participou deste período de discussões. Na Feira do Livro de Imperatriz, que discutiu o tema a “África e suas africanidades”, participamos em vários momentos: como palestras, exposições fotográficas e rodas de capoeira. E realizamos nosso primeiro “Colóquio Internacional de Memórias, Diversidades e Identidades Culturais” para socializar as ações e experiências do projeto Alma nas comunidades quilombolas em Alcântara.

 

 

Fonte: Imperetriz Noticias

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