Escolas unidocentes e turmas multisseriadas em escolas urbanas

ELAS SÃO UMA DAS MAIORES INOVAÇÕES NO ENSINO NO MUNDO

Por: Fátima Oliveira

Ao ler a reportagem de Raphael Ramos “Estado coloca alunos de séries diferentes na mesma turma” (O TEMPO, 3.4.2012), peguei a minha beca de normalista (sim, formada em 1971!) para descobrir o que tem a ver o professor Anastasia, governador de Minas Gerais, com a socióloga Vicky Colbert, ex-vice-ministra da Educação da Colômbia, especialista em educação rural, criadora da Fundação Escuela Nueva (1987) e inspiradora do Programa Escola Ativa (1997), da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC).

Reavivei na memória que, até sair de casa para estudar em Colinas (MA), só conhecia escolas unidocentes! Talvez por ser a escola unidocente a realidade tão natural do meio em que vivi, até pensar em escrever sobre o tema ela não era uma memória viva e consciente. Jamais estabeleci diferenças entre as escolas que frequentei, pois culturalmente uma escola é um farol do saber e qualquer uma é sempre melhor do que nenhuma!

Aprendi a ler com o professor Izídio, na escolinha dele. Era começo da década de 1960 quando fui para a Escola Rural Humberto de Campos, única escola pública de Graça Aranha (MA), onde lecionavam duas professoras: uma “professora rural” (havia um curso que habilitava para tanto, equivalente ao antigo ginásio); e uma professora leiga (tinha um “estudinho”, mas bastava ter o curso primário!).

Resumindo a ópera: a dona Maria do Carmo, professora rural “formada”, ficava com a turma dos 2º, 3º e 4º anos; e a galega dona Zilma, com quem não sabia ler nem escrever – os da carta de ABC, da cartilha e os desarnados do 1º ano! Por três anos e meio, eu fui aluna de dona Maria do Carmo! Em Colinas, segundo semestre do 4º ano, foi uma diferença brutal estudar numa sala só com alunos da mesma série – e em dose dupla, porque pela manhã eu estudava no Grupo Escolar João Pessoa e à tarde frequentava o exame de admissão ao ginásio! Pulo. Passei em ambos… Aos 24 anos, estava formada em medicina…

Para mim é dificílimo entender essa “zueira” toda contra “turmas unidocentes” ou “turmas unificadas” ou “turmas multisseriadas” (para as turmas de 1º ao 9º ano do ensino fundamental), uma nova proposta do governo mineiro e, sobretudo, a rasteirice dos argumentos contrários, que enfocam apenas que o governo quer reduzir custos. Pode ser, mas será só isso? Por que não nos debruçarmos holisticamente na análise?

Sei que “turma unidocente/unificada/multisseriada” é uma coisa e “escola unidocente” é outra! Em não sendo especialista em educação, a minha visão tem muitos limites e tem a ver unicamente com a minha história de vida, que não pode ser a régua de nada, apenas o resultado do sucesso de uma escolinha unidocente furreca, mas que moralmente me credencia a, de cara, não condenar a decisão do governo de Minas.

Até onde conheço, a escola unidocente é um conceito e uma prática tradicionalmente aplicável a meios rurais. Todavia, não vejo como o fim do mundo que possa ser extensiva a meios urbanos (“turma unificada”) em determinadas circunstâncias, sem que tal postura seja em prejuízo dos alunos e rasteira no professorado, além do que a rigor o MEC não proíbe.

Os inúmeros prêmios que Vicky Colbert tem recebido e a aplicabilidade promissora de sua proposta a escolas urbanas da Colômbia, além do que as “escolas de dona Vicky” são tidas como uma das três maiores inovações no ensino no mundo, sugerem, no mínimo, cautela na análise de turmas multisseriadas.

 

 

Fonte: O Tempo

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