Meninas podem ser o que quiserem. Para algumas pessoas essa é uma afirmação óbvia, mas para muitas meninas ser o que se quer ainda é algo muito distante. No entanto, para garantir condições, ao menos formalmente, de todas as crianças e adolescentes serem o que quiser ser a Constituição Federal no artigo 227 determina ser dever compartilhado entre as famílias, a sociedade e o Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Agora, o que precisamos é de mecanismos que tornem essas garantias em realidade.
O artigo 4º do o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), usando os mesmos critérios constitucionais, reforça a prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes determinando ser “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Embora similares ao determinar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes o ECA avança em relação ao texto constitucional e prevê expressamente o esporte como um direito que deve ser assegurado com absolta prioridade pelas famílias, sociedade e estado. Dar visibilidade e propor reflexões sobre este direito nunca fez tanto sentido considerando o protagonismo da adolescente Rayssa Leal, 13, nas Olimpíadas de Tóquio 2020, e como este movimento tem influenciado discussões urgentes e necessárias sobre a representatividade feminina no esporte, mas que precisam de uma dose significativa de proteção integral à infância e adolescência.
Além do já citado artigo 4º, também se faz importante conhecer e se apropriar do artigo 16 do ECA que vai trazer os elementos que consistem no direito à liberdade de crianças e adolescentes, entre eles estão o brincar, praticar esportes e divertir-se. Essa sequência de “brincar, esportes e diversão” estão combinadas exatamente nesta ordem e juntas no texto legal, e sua interpretação baseada no melhor interesse de crianças e adolescentes, como condiciona a Constituição Federal às análises que envolvem todas com pessoas com menos de 18 anos, a partir da performance da Fadinha na competição que lhe assegurou a medalha de prata, demonstra como o texto legal se torna prática.
A exposição de crianças ao esporte é, portanto, um dever que precisa ser assegurado de maneira prioritária por todas as pessoas responsáveis pelo cuidado de crianças e adolescentes, fazendo parte essencial de um direito à infância segura e saudável. Assim, estes direitos não podem ser interpretados de maneira conflitante entre si, mas sim de maneira complementar, ao não receber apoio para praticar esportes, como é percebido com frequência em especial por meninas, crianças e adolescentes estão tendo o direito à infância e à liberdade negligenciado.
Neste sentido, a conquista da Fadinha, que se tornou uma conquista de todo o Brasil e vem sendo referenciada como responsável por quebrar o tabu de mulheres skatistas, precisa trazer a sua adolescência à centralidade, e junto com ela sua condição de sujeito em desenvolvimento para que possamos cuidá-la e protegê-la do que o protagonismo muitas vezes faz esquecer.
Assim, é preciso não deixar que a projeção de futuros medalhistas se torne uma responsabilidade maior que a infância e adolescência, a competitividade não pode estar acima do cuidado, da diversão e dos aprendizados, em especial àquelas em desenvolvimento especial. Para isso, o principal mecanismo de proteção é assegurar o acesso espaços públicos e equipamentos seguros, políticas públicas voltadas ao melhor interesse de crianças e adolescentes e ações sociais e políticas que possibilitem os sonhos se tornarem planos e conquistas reais para todas as crianças e adolescentes.