EXCLUSIVA: Entrevista do candidato Netinho para o Portal Geledés

Há duas semanas das eleições, Netinho de Paula, candidato do PC do B ao Senado, poderá fazer história ao tornar-se o primeiro senador negro a representar São Paulo. Líder, juntamente com Marta Suplicy, nas pesquisas de intenção de voto, Netinho continua incansável na tarefa na qual é especialista: percorrer a periferia das cidades do nosso Estado para falar diretamente à população e conhecer suas necessidades. “O Senado precisa estar mais próximo do povo, não pode ser visto apenas como uma aposentadoria honrosa, como muitos políticos pensam”. Em entrevista exclusiva ao Portal Geledés, Netinho fala da reta final da campanha, dos episódios que marcaram sua vida pessoal e de suas propostas.

 

Portal Geledés – Por que você quer ser senador?

Netinho – Antes de me filiar ao PC do B, em 2005/2006, eu já sonhava em me candidatar ao Senado. No final dos anos 80 e nos anos 90, o Negritude Júnior, grupo do qual fiz parte durante 15 anos, tinha algumas missões através da música:  incentivar a maior participação de artistas negros representando na TV papéis importantes, ter programas de televisão e também ter uma inserção eficaz na política. Isso tudo vem se realizando. As pessoas achavam que o Negritude era só um grupo que cantava músicas românticas, que só brincava, mas na verdade havia idealismo por trás, realizávamos ações sociais e culturais. Não era um partido político, mas já fazia parte dos nossos planos. O próprio nome do grupo foi um marco na valorização da auto estima do negro brasileiro e a nossa trajetória é motivo de orgulho para os pobres, negros e moradores da periferia. Sei que essas pessoas se orgulham por poder ter um negro com a minha origem disputando uma vaga ao Senado.

 

Portal Geledés – Com um ano e meio de mandato de vereador, você decidiu concorrer ao Senado. Os eleitores reclamam?

Netinho – Não, ao contrário, há um grande apoio à minha candidatura nas ruas e isso vem aumentando a cada dia. Como vereador, passei a conhecer um pouco mais o município de São Paulo, entendi a complexidade desta cidade que é maior do que muitos estados, não só pelo seu orçamento, mas pelos tipos de demandas e problemas que acontecem aqui. Quando ganhei a eleição, disse, no primeiro dia, que meu plano era o Senado, sempre fui sincero, sempre declarei esta intenção à imprensa.  A população está se conscientizando de que somente candidatos genuinamente ligados ao povo podem trabalhar no Senado propostas que visem ao bem estar social e a melhoria da qualidade de vida de todos os brasileiros. Não dá mais para eleger pessoas que nada têm a ver com os anseios dos pobres, dos negros, dos trabalhadores e dos moradores das periferias. E a minha experiência na Câmara certamente proporcionará subsídios ao meu trabalho no Senado.

 

Portal Geledés – Como você atuará no Senado?

Netinho – Ao contrário do que o meu adversário afirma, o Senado não deve ser uma casa para o político chegar após passar por várias instâncias políticas e aí terminar sua carreira. O Senado não é uma aposentadoria honrosa. Deve ser uma casa com espírito de renovação, com energia e vontade de contribuir para que o Brasil cresça ainda mais e para que os brasileiros tenham melhor qualidade de vida. Para tanto, o Senado deve se humanizar um pouco mais, tem que estar mais próximo do povo e não tem sido assim nos últimos anos. Como senador, quero me aproximar das Prefeituras, para conhecer de perto os problemas das cidades e ajudá-las na aprovação de leis no Senado que levem melhorias aos municípios. Como vereador, trabalhei para a maior cidade da América do Sul. Quem é vereador numa metrópole como São Paulo tem experiência e conhecimento para atuar no Senado.

 

Portal Geledés – Quais são suas propostas?

Netinho – Há duas propostas principais. Uma delas é o combate às drogas, em especial, o crack, que está destruindo famílias por todo o Brasil. Pretendemos aprovar leis que ajudem a criar clínicas gratuitas de tratamento em todo o país. A questão da dependência não é a prioridade de discussão do Senado, mas é o que mais afeta as famílias aqui, no Estado de São Paulo. Acredito que o Senado pode dar uma grande contribuição ao entender quais são os nós e o que nos impede de acabar com a situação dos jovens na rua, que estão destruindo suas vidas com o crack. Se eles estão na rua é porque em casa as famílias não agüentam mais e os órgãos públicos não podem intervir, levar para tratar. Precisamos resolver isso. E quem mais sofre com não são os jovens de classe média. Eles também passam por muitos problemas com drogas, mas resolvem com as clínicas particulares. Já para o pessoal de origem mais humilde, do gueto, é muito triste, os filhos estão morrendo e eles não têm como impedir. As mulheres que são mães também são vítimas desse mal. Quero batalhar  para que o Brasil possa dar condições às nossas mulheres de ajudar seus filhos nessa luta contra o crack.

A outra proposta é para o ensino profissionalizante. A Dilma Rousseff, minha candidata à Presidência, tem uma proposta de criar pelo menos uma escola técnica de ensino profissionalizante em cada cidade com mais de 50 mil habitantes. Eu quero trabalhar com muita garra para ajudar a Dilma a aprovar essa proposta e ir além: quero garantir que as cidades tenham uma quantidade de escolas profissionalizantes proporcional ao tamanho de sua população. A gente tem uma cidade como São Vicente, por exemplo, que tinha 330 mil habitantes em 2009, segundo o IBGE. Então tem que ter pelo menos seis escolas. Ou Araçatuba, que tinha 182 mil pessoas em 2009, teria de três a quatro escolas.

E essas escolas têm que oferecer cursos variados, mas também atender à vocação da região, com cursos profissionalizantes voltados à agricultura, nas cidades onde a agricultura é mais forte, ou mesmo com cursos que formem técnicos para trabalhar nos projetos do pré-sal, que vai trazer muitos recursos pro nosso Estado.

Convido a todos para conhecer mais minhas propostas no site WWW.netinho650.com.br.

 

Portal Geledés- Como você lida hoje com o episódio da agressão à esposa?

Netinho- Com muita tranqüilidade. Eu reconheço que foi um erro, eu fui um agressor, mas me arrependi e admiti isso publicamente. Minha ex-esposa me perdoou e somos amigos hoje. Já falei disso várias vezes aos fãs e jornalistas e já pedi desculpas a todas as mulheres. Foi um episódio triste e lamentável, mas já foi superado. Levei a Maria da Penha ao meu programa de TV para me desculpar e ela me disse que, ao admitir meu erro e pedir desculpas, eu havia me tornado um dos maiores feministas.  O episódio me fez aprender que não devemos perder a cabeça e que a violência nunca pode ser levada a cabo. Quero que todos os homens do Brasil que já passaram por um episódio como esses vejam a minha história como um exemplo e possam também admitir seu erro e mudar. E sinceramente não desejo para ninguém passar o que eu passei.

 

Portal Geledés- Você continuará sendo artista, mesmo se for eleito para o Senado? Como vai conciliar as agendas?

Netinho- Claro que vou continuar! Terei minhas atividades artísticas nos finais de semana. Outros políticos são empresários, fazendeiros e cumprem seus compromissos em Brasília e em suas outras profissões.  Construí minha carreira e minha vida através da música e tenho milhões de fãs pelo Brasil.

 

Portal Geledés  – Você é a favor da política de cotas?

Netinho- Sim, absolutamente e acho muito importante que este tema esteja sempre em pauta em nossa sociedade. Temos que lutar cada vez mais para que o preconceito diminua neste país.  Há mais participação dos negros na mídia, nos comerciais, mas ainda é muito pouco. Um negro faz sucesso e a gente fica comemorando, mas a participação tem que ser mais justa na TV, nas universidades, nas empresas e no serviço público. Há séculos de injustiças a serem reparados. O Governo Lula tirou 24 milhões de pessoas da miséria e nós sabemos que boa parte da população que ainda não saiu dessa situação é formada por negros.  O Brasil possui 92 milhões de negros, metade da população. O IBGE acaba de divulgar estudos que dizem que a proporção de brasileiros com ensino superior que se declaravam pretos ou pardos dobrou em 10 anos, mas representa um terço do percentual de brancos graduados. Segundo os dados da Síntese de Indicadores Sociais, divulgados pelo IBGE, em 2009, apenas 4,7% dos negros e 5,3% dos pardos com 25 anos ou mais tinha curso superior contra 15% dos brancos. Ainda é muito pouco. Não podemos compactuar com a perpetuação da desvantagem racial. Nesse contexto, o Estatuto da Igualdade Racial foi um passo muito importante para o desenvolvimento da democracia brasileira. Com políticas públicas que promovem socialmente a população negra, estamos respeitando os princípios democráticos, elevando a auto estima dos negros e possibilitando que ocupemos o lugar que nos é de direito na história do nosso país. Democracia e racismo não podem conviver juntos.

 

Portal Geledés – Por que você escolheu o PC do B?

Netinho – Fui convidado a ser membro do partido pelo ministro Orlando Silva junto com o Aldo Rabelo, pela minha trajetória e da minha preocupação social com os mais humildes e tenho muito orgulho de pertencer ao partido, uma sigla séria, com políticos que ajudaram a construir a democracia no país, comprometidos com o bem estar social, uma sigla formada por lideranças respeitadas, com uma grande militância de negros e mulheres e com idéias com as quais compartilho. Participamos da base de sustentação do Governo Lula e temos orgulho de apoiar políticas que estão promovendo mudanças históricas no Brasil.

 

Portal Geledés – Você é a favor da reforma agrária?

Netinho – Sou, nos moldes do que o Governo Lula vem realizando. Assim como o nosso presidente, eu acredito que o crédito e o incentivo à agricultura familiar são um mecanismo de grande importância nesse processo. O que precisamos agora é que a reforma possa ser levada adiante com mais agilidade para beneficiar cada vez mais famílias no campo e impulsionar ainda mais o desenvolvimento e a promoção do bem estar social.

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