“Future-se”, uma fratura exposta da ciência brasileira

Pela primeira vez, desde que Dom Pedro II (1825-1891) fez diversas intervenções nos campos cultural, paisagístico e das artes, o País não sofria uma mexida tão drástica nas agendas acadêmica, da gestão e do provimento das universidades brasileiras.  Nem mesmo a preocupação de Rui Barbosa (1849-1923) em introduzir nas terras tupiniquins as ideias da “Escola Nova” e nem o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932, foram capazes e tão ousados no patamar da alteração dos rumos educacionais do Brasil quanto as propostas vindas do “Future-se”. Assim é que podemos interpretar a proposta anunciada pelo Ministério da Educação (MEC) com o “Future-se” (Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras) como a maior e mais arrojada mudança de rumos na vida das universidades brasileiras dentro da lógica proposta pelo acordo celebrado entre o MEC e a United States Agency for International Development (USAID), nos idos de 1964, e em plena Ditadura Militar (1964-1985). Resumidamente, o “Future-seé uma forma de jogar pesado na captação de recursos financeiros via iniciativa privada, com a criação de um ranking das universidades federais que menos gastam dinheiro público, seja por meio de contenção de despesas, seja por meio de uso de tecnologias renováveis nascidas em seus próprios espaços de pesquisa. Haverá, também, incentivo pelo Governo Federal para que as universidades vendam imóveis antigos que estão parados há anos esperando obras de conclusão para uso dos estudantes e a comunidade em geral; o que poderia expandir a melhoria de laboratórios e oferta de serviços públicos gratuitos vinculados aos Departamentos de Extensão Universitária para a população, como, por exemplo, oferta de atendimentos clínicos e tratamentos médicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nas unidades acadêmicas. 

Por Alexandre Braga* no Facebook 

Reprodução/Facebook

Inspirado na lógica dos acordos MEC/USAID e nas camisas de cursos tipo “curso tal UFMG…”, agora o governo vai usar as “naming rights”, que são uma ação de marketing que consiste na concessão de direitos de estampar nas fachadas de prédios/áreas internas/eventos de grande porte ou similar que passam a ser identificados com os nomes das empresas ou suas logomarcas e produtos, e para comercializar as logos das universidades e associar tal imagem para vender espaços em patrocínios de eventos, produtos ou transferência de tecnologia no mercado nacional ou internacional, cuja essência tira do Estado o papel legal e constitucional de dar manutenção e ser o principal financiador do ensino federal público! Para concretizar estes objetivos mudancistas na comunidade universitária, o Governo Federal vai propor, por suposta adesão das instituições de ensino, a criação de duas empresas de direito privado, a Sociedade de Propósito Específico (SPE/Lei nº 11.079/2004) e as Organizações Sociais (OS/Lei nº 9.637/1998). As SPE´s vão comercializar resultados de pesquisas e produtos acadêmicos realizados pelas Linhas de Pesquisa ou pelos próprios colegiados de cursos, ou grupo de professores por área de estudo. Já as OS, que são entidades privadas que deveriam ser sem fins lucrativos que a Administração outorga para que elas possam receber determinados benefícios do Poder Público, vão cuidar da parte operacional diária das universidades como dar suporte à execução de atividades relacionadas aos eixos de gestão, governança e empreendedorismo. 

Isto é, o “Future-se” é uma grande fratura exposta cuja intenção é o enfraquecimento da autonomia administrativa, financeira e de gestão das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), por meio de parceria com organizações sociais e do fomento à captação de recursos próprios, cuja demanda por investimento vem sendo reduzida nos últimos anos por diversos mandatários e a conta já ultrapassa R$ 15 bilhões em políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Dessa forma é cada universidade que se vire e ninguém segura a mão delas na briga louca por abocanhar as dádivas do mercado e do setor de finanças brasileiro. Não será novidade caso algumas delas apareça ofertando coisas na Bolsa de Valores!

*Alexandre Braga é presidente da UNEGRO (União de Negras e Negros Pela Igualdade) em Minas Gerais e estuda Ciências do Estado na Faculdade de Direito e foi bolsista na Diretoria de Divulgação Científica da UFMG (DDC/UFMG). Email: [email protected].

 

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