Geledés e Alana lançam pesquisa sobre municípios que colocam a Lei 10.639/03 em prática

Em Diadema (SP), após um ano de implementação da Lei 10.639/03, que há 20 anos alterou a LDB e instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira em toda a Educação Básica brasileira, a autodeclaração como preto ou pardo subiu de 39% para 65,7% entre os adolescentes. 

Neste e em outros municípios que realizam o mesmo trabalho, professoras e gestoras relatam perceber uma relação mais respeitosa entre os estudantes, a quebra de estereótipos e a valorização de saberes e realidades diversas. As transformações ecoam e chegam também às famílias.

“Para as famílias negras, é importante porque passam a se ver naquele universo que frequentam”

aponta Tânia Portella

“Para as famílias negras, é importante porque passam a se ver naquele universo que frequentam. Para as brancas, porque passam a perceber e valorizar o outro, e não mais se entender como modelo único, humanizando o olhar dessas pessoas”, afirma Tânia Portella, pesquisadora e consultora de Geledés Instituto da Mulher Negra.

Essas percepções foram levantadas pelo estudo “Lei 10.639/03 na prática: experiências de seis municípios no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, de Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana, lançado em 20/2. 

A pesquisa, que conta com um prefácio de Nilma Lino Gomes, professora titular da Faculdade de Educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se debruçou sobre os aprendizados e desafios na implementação dessa lei em seis municípios: Belém (PA), Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP), Ibitiara (BA) e Londrina (PR).

Formação continuada, orçamento, transformação do fazer pedagógico e trabalho intersetorial e em parceria com universidades estão no centro das ações desenvolvidas pelas redes para implementar a lei. Em comum, a iniciativa partiu sempre de uma pessoa ou equipe responsável por fomentar a política na Secretaria.

“A pesquisa confirma a importância de ter uma equipe responsável pela agenda na rede. Alguém para levantar a mão no planejamento e incluir essas ações, pensar o orçamento, articular as parcerias, olhar para a formação dos professores. E é fundamental que seja uma equipe, porque quando a atuação é solitária, essas pessoas sofrem perseguição, racismo e enfrentam resistências”, explica Beatriz Benedito, analista de políticas públicas no Instituto Alana.

A especialista também reafirma a urgência de as pessoas brancas assumirem responsabilidade pela implementação da Lei 10.639/03. “A lei é um direito de todas as crianças e adolescentes, porque estamos falando da história do Brasil, do nosso povo, como a gente se constitui enquanto sociedade”, detalha. 

Os desafios enfrentados na implementação de Lei 10.639/03

Em abril de 2023, o Geledés e o Alana publicaram a primeira etapa da pesquisa. Realizada com 21% (1.187) das Secretarias Municipais de Educação, o estudo apresentou um grave cenário em que 71% das redes não cumprem a lei, realizando pouca ou nenhuma ação para efetivá-la.

O levantamento foi realizado durante o governo Bolsonaro, que extinguiu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) e promoveu um apagão de dados pelo país.

“Não ter dados foi uma política pública do período, o que impulsionou as organizações a fazerem algum tipo de mapeamento, porque não tem como cobrar a execução da política sem saber seu estado real”, observa Tânia.

“Na Educação para as relações étnico-raciais estamos falando de dois grupos que precisam se relacionar, se reconhecer, para se valorizar”

diz Beatriz Benedito

Entre os desafios encontrados para materializar a Lei 10.639/03 por todo o Brasil, e também nas seis experiências mapeadas na segunda parte da pesquisa, destacam-se o próprio racismo, a intolerância religiosa, a resistência da comunidade escolar, a falta de recursos e de formação inicial e continuada, bem como o baixo engajamento de profissionais brancos na missão.

“Na Educação para as relações étnico-raciais estamos falando de dois grupos que precisam se relacionar, se reconhecer, para se valorizar. Não pode vir só de uma parte”, destaca Beatriz.

A pesquisa também reforça a importância da sociedade e dos Tribunais de Conta (TC) e outros órgãos no monitoramento e cobrança da implementação da lei. “A sociedade toda tem que estar envolvida, porque diz respeito não só ao modelo de Educação que se quer ter, mas também ao tipo de país”, reforça Tânia. 

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