Geografia: Além do professor – Milton Santos

Enviado por / Fonteno Milton Santos

Esta sala é para mim um presente. Tentarei colocar-me à altura desta sala e à altura da mocidade oferecendo-lhes uma aula, isto é, um momento de reflexão sisudo e maduro, para o qual naturalmente peço atenção porque uma aula é lugar no qual toda contrição tem que ser posta para que o trabalho comum se possa fazer. Foi-me sugerido um tema, dobrei-me à ordem, e isso me causou um problema: não é a primeira vez que, nos meus 55 anos de ensino, encontro desafios dessa natureza – “A Geografia: além do professor?”

O que querem dizer esses meninos, quando me pedem que venha falar sobre este tema, “além do professor?” Professor, a sala de aula esses contatos que não são burocráticos, mas que se dão em uma temporalidade prevista por alguma forma dita burocrática também, porque são encontros marcados antecipadamente nas mesmas horas, nos mesmos dias durante um período. O ensino, o aluno que aprende pode se tornar professor, o que me parece ser uma das questões que os geógrafos brasileiros estão enfrentando.

O que fazer além de ser professor? Será que entrando numa faculdade de Geografia, não há outro destino, senão esse, grandioso sem dúvida, mas estreito diante daquilo que a Geografia pode oferecer e, sobretudo, daquilo que a nação necessita, que venha de parte dos geógrafos. Mas há também uma outra vertente a partir do que fazemos em faculdades como a de Geografia, porque eu não me contento com a ideia de que a Geografia seja um Departamento, a Geografia é por ela mesmo uma Faculdade. Que todo o Brasil tem certamente a Geografia mais dinâmica do hemisfério, dessa coisa chamada o Ocidente. E há o outro lado das possibilidades abertas a quem chega aqui e a quem sai daqui, a pesquisa; e isso que as universidades descobriram, como se fosse alfa e ômega, e que se eu tivesse algum poder eliminaria do nosso vocabulário: essa palavra horrível, a extensão. Como se o trabalho acadêmico bem feito não fosse algo posto naturalmente à disposição da sociedade.

Eu creio que há essas duas coisas, vamos trabalhá-las agora na medida do possível. O que é essa extensão possível a partir da Geografia? De um lado há o que se chamou e se chama menos hoje: Geografia aplicada. A Geografia aplicada é algo que é criado nos anos 50 pelo prof. Jean Tricart, meu mestre. É quem, usando esta expressão, propõe esta palavra, Geografia Aplicada, o que causou certo frisson em seu país, a França, já que a universidade buscava resguardar-se de todo contato com o mercado e, até certo ponto, com os governos, de modo a preservar a liberdade total de pensamento dos mestres, porque não há universidade onde não há também liberdade total de pensamento e de expressão do pensamento.

Eu me recordo da polêmica que se estabeleceu, então, tendo de um lado meu mestre Jean Tricart e, de outro lado, aquele que se tornou o mestre de todos nós, ainda que à distância, Pierre George. Ele dizia, e com ele outros, que se toda boa Geografia será aplicável para que chamá-la de Geografia aplicada? E Jean Tricart respondia: é que chamando a Geografia, Geografia aplicada, nós chamamos atenção dos que não são geógrafos, dos que estão nos gabinetes do poder, do poder público ou do poder privado, para a existência de uma disciplina suscetível de ter um papel na produção de um novo espaço e, quem sabe, na produção de uma nova sociedade. Essa discussão que se tornou no momento azeda (desculpe, contar esse fuxico aqui) [risos], foi amenizada pelas esposas dos dois, que intervieram para evitar que a discussão azedasse mais ainda.

É um momento importante da história da Geografia, disciplina criada nas faculdades de Letras e Filosofia com a vocação de descrever o mundo, às vezes de maneira crítica, e relegada também na França a um papel menor do que aquele que merecia, na medida em que o grosso da tropa se dirigia à tarefa de ensino, que é central, mas não preenche todas as possibilidades oferecidas pela nossa disciplina. Geografia aplicada. Aplicada a quê? Aplicada ao espaço das entrâncias? Aplicada ao espaço dos fluxos? Aplicada ao espaço banal? Espaço banal é o espaço de todos os homens, é o espaço de todas as instituições, é o espaço de todas as empresas.

Geografia aplicada ao espaço das empresas – eu vi o discurso do representante do Banco Real, estamos contentes em saber que o Banco Real ajudou a montar esta reunião e oferece créditos a estudantes e professores, mesmo os que não são de Juiz de Fora, o que significa que amanhã pela manhã eu me apresentarei [risos] para atender ao gentil convite do diretor do Banco. Na França os bancos empregam muitos geógrafos, é comum que os bancos franceses empreguem geógrafos, é um país capitalista. Por conseguinte é um país onde há uma concorrência que se extremou com a competitividade pelo mercado. O mercado é sinônimo de território, então a conquista do mercado significa o conhecimento do território pelo Banco, pela empresa jornalística, pelo supermercado, pelo shopping center, por outras grandes organizações que têm que conhecer como o território é, para conquistar o território. Isto é, conquistar o mercado.

E aí está o geógrafo sendo chamado, quer dizer que o Banco Real vai criar emprego para os geógrafos. Só que o Brasil é um país que não organiza os seus fluxos em benefício da competitividade. E aí passamos para a questão dos espaços e dos fluxos a serem estudados pela Geografia, através dessa Geografia aplicada, de tal maneira que as grandes empresas não necessitam se preocupar com o território.

Quando eu falo território não estou falando na superfície nua do país, eu estou me referindo a um território usado, isto é, o território com seus homens dentro, tal como eles são, eis o território que interessa ao geógrafo. Mas não o território que interessa apenas às grandes empresas, o território que interessa a todas as empresas. A todas as instituições, a todas as pessoas, indiferentemente do que elas são, as instituições, indiferentemente do que elas são, as empresas, indiferentemente do que elas são, do seu poder.

Esse território é o espaço banal, é o espaço do geógrafo. O geógrafo se interessa pelo território habitado, vivido, trabalhado, sofrido por todos. O geógrafo não escolhe as empresas, o geógrafo não escolhe as instituições, sobretudo, o geógrafo não pode escolher as pessoas, todas constituem juntas aquilo que faz do território um espaço. O território utilizado de maneira comum, ainda que de forma diversa por todos.

Então, para voltar à questão que a gente havia colocado no começo. Geografia aplicada, mas aplicada a quê? Aplicada às empresas apenas? Aplicada aos fluxos? E nós sabemos que os fluxos são comandados e nós sabemos que há uma diferença entre produzir e caminhar. Isto é, entre criar as massas e criar o movimento, o movimento é criação do poder. E quando

a gente fala em espaço de fluxo, a gente está ao mesmo tempo dizendo que há instituições, empresas, pessoas que podem mover-se no território e outras que não podem, mas nós geógrafos nos interessamos por todos. Todas as empresas, todas as instituições, todas as pessoas, é isso que faz o espaço banal, que é o espaço do geógrafo.

O espaço do geógrafo não é o espaço do economista. O espaço do geógrafo não é o mesmo espaço das outras disciplinas humanas ou sociais. O espaço do geógrafo se distingue, sobretudo, do espaço chamado social exatamente porque há o território. O território que participa da sociedade como um fator, ele não é sofrido pela sociedade, ele não é um pano de funda da vida social, ele é um fator, um ator. Ele é um ator porque tem gente, é isso que o marketing distingue de outras frações do território.

Uma outra possibilidade de uma Geografia fora da escola, além do professor, é a Geografia do militante. Importante, sem dúvida, mas igualmente insuficiente e frequentemente enganosa. A militância vista de forma autônoma, ela pode conduzir a inverter a cadeia causal no processo de produção do conhecimento, colocando o efeito antes da causa, porque com frequência a militância aponta para soluções ou remédios mesmo antes da análise. A militância, para ser adequada, deve ser posterior à análise e não anterior à análise.

O grande risco da vida acadêmica hoje, da produção científica, é exatamente este, o risco de o efeito ser dominante sobre a causa. E é isto que corrompe, e no Brasil isto é claro, esta corrupção de uma boa parte do trabalho das ciências exatas e das ciências naturais que, neste país, provém do fato de que o efeito é quem comanda a pesquisa. O efeito buscado, porque reduz a possibilidade de encontrar, de abraçar a verdade.

Evidente que eu não posso comparar a militância do ponto de vista moral à entrega que fazem algumas disciplinas a um interesse exclusivo de certas empresas, não é a mesma coisa do ponto de vista moral. Mas do ponto de vista epistemológico, há uma certa familiaridade entre os dois métodos. A força do intelectual, a força do pesquisador, é o seu total descompromisso. A força do pesquisador é a sua total incapacidade de ser preconceituoso. É a sua disponibilidade permanente para busca, sobretudo nos momentos em que as mudanças são muito rápidas.

É muito fácil imaginar que aquilo que é passado ainda está presente, e é somente através da análise feita sem nenhum preconceito, que nós nos encontramos com o novo. Quem não se encontra com o novo, quem não tem essa capacidade, esta força de esquecer, tampouco é capaz de produzir um “corpus” científico suscetível de ter influência, inclusive política. Pois a política se faz cada vez mais de forma científica. Ela é feita de forma científica a partir de formas simbólicas. Daí, nós vivemos uma democracia que não chega a sê-lo, porque democracia de mercado é o que temos neste país e na América Latina de uma maneira mais geral, e cujo fermento, é o marketing. Então a maneira que as eleições são frequentemente momento de consumo político, mas não de política. Ora, se nós fazemos esta crítica devemos estendê-la a nossa própria atividade intelectual.

O maior perigo, neste caso, é confundir aquilo que o grande antropólogo Marcel Mauss chamou de fato social total com a totalidade. Não é trocar uma coisa pela outra. Mauss dizia: devemos trabalhar o fato social total. E muitos geógrafos, durante a maior parte deste século, escreveram isso, basta ler a literatura geográfica francesa, alemã, americana, inglesa e brasileira nas pegadas dessas escolas projetam frequente alusão ao fato social total.

O que é o fato social total? É, ver todos os aspectos de uma determinada coisa, ver todos aspectos de uma determinada coisa, ver todos aspectos de uma determinada área, ver todos os aspectos de um determinado lugar. Vejamos todos esses aspectos, vejamos até mesmo todas as relações locais, mas a coisa só se entende a partir da totalidade das coisas. Nenhuma coisa tem significado sozinha. As coisas só têm significado a partir da totalidade. Na realidade o que dá significado às coisas é muito mais que a totalidade, é o movimento da totalidade. Voltaremos a isso daqui a pouco.

Então, o que estou sugerindo, para que a Geografia possa enfrentar as tarefas do presente e, sobretudo, do futuro, é discutir novamente aquela ideia do [inaudível, provavelmente Pierre George], para quem havia muitas Geografias, quer dizer, ele adjetivava as geografias. Então haveria uma geografia do transporte, uma geografia da indústria, uma geografia não sei mais do quê. O que é Geografia? Não vou dizer que não se façam essas Geografias particulares, essas Geografias adjetivadas, essas Geografias singulares, essas Geografias específicas. Mas, o que nós precisamos fazer é a Geografia sem adjetivo, isto é, a Geografia.

O espaço banal é o que nos interessa, porque se eu tomo um aspecto, transporte ou agricultura, estarei cometendo um erro parecido com aquele de tomar um grupo de empresas, um grupo de pessoas, um grupo de instituições. É evidente que o trabalho de análise é necessário, e que não posso ver tudo, então eu divido o trabalho: você vai trabalhar a indústria, você vai trabalhar o comércio, o outro trabalha os transportes, e nós produziremos a Geografia. Mas temos que ter em mente esse tipo de preocupação, por que sem isso, nós não faremos outra coisa senão ensinar. Porque ensinar é chegar diante de uma sala e dizer o que deu em nossa cabeça, com mais ou menos preparo, evidentemente [risos].

Só que a Geografia, hoje, tem grandes dificuldades de crescer porque o mundo não quer. Mas quem é que disse que esse mundo vai ser assim todo tempo? Quem é que disse que a globalização tem que ser perversa? No Brasil não nos deixam sequer pensar que há outra coisa, além dessa globalização perversa. E o Brasil tem requinte de perversidade. Na produção da globalização, cada dia a gente acorda com uma perversidade maior, não sabemos se quem organiza a globalização no Brasil quer ser cômico ou cínico. E como a coisa é dita com tanta ênfase, acaba-se por acreditar que não há outros caminhos.

Mas há outros caminhos. Só que, onde o social se torna residual, que é o caso do Brasil, o que interessa às pessoas neste país? Três séculos de afirmação do homem, depois que o homem é descoberto com o Iluminismo, se dá uma conquista lenta, gradual, que parecia segura, a da civilização, a da cultura. De repente, o homem não é mais o centro do mundo, o centro do mundo é o dinheiro, mas não o dinheiro como o capital a ser aplicado para produzir trabalho, para produzir coisas, para desviar o esforço do homem, mas o dinheiro em estado puro, tudo para o dinheiro em estado puro – a tal ponto de aceitarmos a situação oposta, nada para o homem.

Nesse clima, a Geografia não tem como prosperar, se nós nos interessamos por todas as instituições, por todas as empresas e por todos os homens. Não há lugar para a Geografia num país que decidiu que o homem é residual. Mas o homem não é residual, nós nos enganamos, às vezes, porque frequentamos a classe média e nos esquecemos que, entre os pobres, há uma produção social e cultural de enorme riqueza. Nós não os tratamos suficientemente nos bancos da universidade, porque os pobres são tratados como as pessoas perigosas da nossa sociedade. E o tratamento da pobreza é quase como o tratamento do perigo na produção do medo. Quando na realidade os pobres nas cidades brasileiras, sobretudo, estão produzindo uma nova cultura que não conhecemos. Esta cultura é fundamental, pois está intimamente relacionada com o território urbano. E não é apenas a produção de uma cultura, é também a produção de uma economia, e é uma produção, ainda que fragmentária, de um eixo político que a cidade oferece.

Num mundo que não deseja totalizações, a Geografia tem dificuldades de se instalar, ela é certamente a única disciplina que não aceita tombar ao comando total do mercado. Mercado que é uma palavra muito grande, porque os que fazem parte deste mercado, cada qual está lutando por sua fatia. Por conseguinte, os que aparecem como fatores do mercado global, cada um deles tem uma linha de comportamento própria que oferece no mundo da competitividade. Por conseguinte, esses agentes da globalização são exigentes de soluções intelectuais pulverizadas, fragmentárias, lineares. O que escapa da ideia central de nossa disciplina, que trata o espaço banal, espaço de todas as pessoas, empresas e instituições.

Daí o círculo vicioso em que nos encontramos. Mas a Geografia só tem o mercado da escola, então vamos trabalhar com a escola ou vou trabalhar com SIGs ou vou trabalhar para uma ONG, ou vou empregar uma parte do meu talento a uma campanha ecológica qualquer. Quando o espaço que interessa é o espaço de todos os homens, o espaço historicamente construído. Então, com as solicitações do CREA ou CONFEA etc., estabelecemos currículos que são uma cópia do mercado. Se aceitamos currículos que são cópia de mercado, o que queremos? Se não nos subordinamos ao mercado, se o mercado é apenas do professorado, o que vamos fazer de outra forma?

Sendo assim, dá a impressão de que não temos mais fé, de que não acreditamos que mudanças são possíveis, e que a globalização perversa não tem a possibilidade de mostrar outra cara, numa fase de desemprego provocado, porque só as técnicas não produzem desemprego e sim a política. A técnica não é responsável, como ouvimos e lemos nestas explicações simplórias dadas pelo poder, de que a modernização, a globalização, o progresso tecnológico, levam obrigatoriamente à queda do emprego. Não é verdade. A técnica só tem existência histórica a partir da política. É a política que decide: 1o) a técnica que escolho; 2o) a forma como as combino e 3o) onde as combino.

Quem aqui é testemunha da maneira como se faz o ensino, sabe que se poderia multiplicar por três o número de professores se o ensino fosse feito de uma forma decente. Quem, aqui, conheceu a doença, sabe que os hospitais, as casas de saúde poderiam empregar quatro vezes mais gente porque os nossos doentes não são bem tratados. Então não é a tecnologia a responsável pelo desemprego, mas a política. Isto se vê melhor através da Geografia, à medida em que ela examina a história se fazendo, pois a história não se faz sem o espaço, então a forma de tomar as técnicas, historicizá-las, supõe o conhecimento e a maneira como o espaço se organiza a cada momento.

Mais uma vez, a Geografia poderia ser uma fiel ajudante da elaboração de políticas, a começar pela política de emprego. Na Europa capitalista de hoje, a busca praticamente inútil de produção de novos empregos está se dando a partir do território. O ministro do Interior da França, que é quem se preocupa com o território, declarou recentemente que aumentar o número de empregos só será possível a partir de uma política territorial adequada.

Vejam aqui uma outra possibilidade para a Geografia, quando se decidir uma política de emprego neste país. Isto significa que é um engano insistir no pragmatismo na elaboração dos programas de ensino. É uma diminuição imaginar que estamos despreparados para as coisas mais altas. Outro dia eu falava em termos parecidos a propósito de outro tema, para uma jornalista, e ela, no fim da entrevista, disse: “E o senhor não tem medo que digam que o senhor é utópico?” Porque eu vou ter medo em dizer que sou utópico?

O que distingue o homem dos outros animais é o projeto, então aquele que não é utópico é aquele que quer ser o objeto. Eu sei que tem muita gente que quer ser objeto, e felizmente não estão nesta sala [risos]. O velho Sartre, de quem me lembro sempre, dizia que cada um de nós pode ser objeto para o outro, mas jamais objeto para si mesmo. E, é isso que produz a cada momento um programa na consciência, é que nós sabemos que, mesmo sendo objeto para os outros, não somos objetos para nós próprios.

Então a Geografia se assemelha a uma filosofia, não há disciplina que seja mais próxima à Filosofia que a Geografia, porque a Geografia estuda o espaço banal, isto é, o espaço de todos. Por conseguinte ela tem que ser uma disciplina abrangente. Não é aquilo que se dizia no início do século: a Geografia como rainha das disciplinas, única capaz de fazer a ligação entre ciências naturais e ciências humanas, vã glória boba! Estou me referindo a uma Geografia modesta que propõe uma filosofia modesta, mas capaz de ser atuante. Capaz de ajudar a entender e, por conseguinte, a propor, isto é, uma disciplina com papel certo na produção da política.

A Geografia brasileira está bem colocada para este papel, não há disciplina mais dinâmica no Brasil e não há Geografia mais dinâmica que a brasileira. O Norte, escravo das escolas, dos preconceitos, opondo conceito sobre conceito, só excepcionalmente produz uma Geografia exemplar, como casos da Geografia anglo-saxônica2. Basta ver as principais revistas norte-americanas que notamos uma grande quantidade de temas de extrema relevância mas, frequentemente, também, sem relevância. Dissertações frequentemente vazias sobre filosofias de que não se entende, amarrações a temas durante longos e longos anos sem que isso desemboque sobre um entendimento das coisas e um progresso da disciplina.

A Geografia brasileira parte da realidade nacional, ela é inspirada nas fontes da sociedade. A Geografia brasileira tem a vantagem de que o Brasil tem o maior público de Geografia no Ocidente, não há país que tenha o público que nós temos, somos 200 departamentos de Geografia e há 17 milhões de pessoas que, no Brasil, são obrigadas a estudar Geografia. Isso não existe em nenhum outro país, isso significa que temos no Brasil, de um lado, uma vocação a uma Geografia que nasce do debate, que se impõe a partir da própria sociedade, sem escravizações de escolas e, por outro lado, temos a nossa crítica para realizar essa Geografia.

É evidente que os autores de livros didáticos são, de uma maneira geral, copiadores dos que pensam e se esforçam para criar uma Geografia. Não importa que sejamos plagiados quotidianamente por esses autores de livros didáticos, que têm tiragem milionária, e que, de uma forma ou de outra, levam a esses 17 milhões de brasileiros, através da pressão que é feita hoje, por entidades que vocês organizam, uma Geografia que sem dúvida tem uma grande qualidade e que mantém nestes últimos 25 anos, um debate extraordinário.

Por conseguinte, nós não podemos nos queixar da sorte. Acabamos por entender que a produção dita utópica é essa que tem futuro, num mundo que não pode fazer nada que não seja a partir das ideias. Esses 25 anos de história recente da Geografia brasileira mostram o triunfo de algumas ideias levantadas por um punhado de geógrafos que, com enorme dificuldade, sem organização, sem meios, acabou por se impor à Geografia brasileira, inclusive com aqueles que não estão a favor, que não estão a favor dessas ideias.


1 O presente artigo, na integra, foi a conferência de abertura do 1o Encontro Regional de Estudantes de Geografia do Sudeste realizado na UFJF em Juiz de Fora, Minas Gerais em maio de1996. Transcrição: gentileza de Cláudio Ubiratan Gonçalves.

2 Esta última frase foi de difícil compreensão na transcrição. 14

Foto em destaque: Reprodução/Site Milton Santos

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