“Eu sou o sonho das minhas ancestrais”: Quilombo (la) em Harvard

Sou Ana Paula, mulher negra, quilombola, Doutora em História e admitida para uma bolsa pós-doutorado no W.E.B Du Bois Research Institute em Harvard University. Essa conversa é sobre mim, mas é também sobre a minha comunidade quilombola Santiago do Iguape\ Recôncavo da Bahia, sobre lutas ancestrais e contemporâneas do povo preto e quilombola, sobre famílias negras enquanto possibilidades de cura na diáspora, a base de sobrevivências cotidianas, de trocas culturais, criação e recriação de identidades e comunidades no além mar. 

Porto de Santiago do Iguape. (Foto: Arquivo Pessoal)

A frase que escolhi para intitular esse post, estampa o meu braço numa tatuagem feita  durante o meu doutorado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em meio a uma pandemia. Momento que precisei relembrar (para continuar caminhando) o quanto as lutas das minhas ancestrais abriram caminhos para que eu pudesse está produzindo conhecimento cientifico acerca do meu povo. Tatuar essa frase no meu corpo  foi uma forma de não esquecer que a minha trajetória de vida faz parte de um projeto de emancipação política negra, um sonho sonhado a duras penas pelos que vieram antes de mim.

Não por acaso estudo a sociedade de pós-abolição e amparada pelos debates desse campo analítico, defendo que ainda vivenciamos o pós-abolição, uma vez que, não superamos os desafios do fim da escravidão e a racialização das relações sociais atravessam os nossos corpos e a nossa forma de existir nesse chão. As (os) quilombolas chegarem em Harvard, acompanhados por Du Bois, (No instituto de pesquisa que carrega o seu nome) é sonho de liberdade! É experiência da população negra na sociedade de pós-abolição.

O Quilombo que irá a Harvard é fruto dessas expressões de lutas históricas, mas também da paz quilombola que Beatriz me apresentou. Nesse interstício entre ataques e recuos, foi possível o processo de organização social da população negra escravizada e dos seus descendentes. Irá a Harvard esse corpo quilombola, que resiste as desapropriações diversas, esse espaço físico das experiências, mas também a metáfora do nosso próprio corpo, onde se pode recuperar a história do povo negro em experiência de diáspora, vai a Harvard esse corpo quilombo como uma possibilidade de (re) construção de si e dos seus numa sociedade que teima em não nos reconhecer enquanto sujeitos de direitos.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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